A Geometria da Vida

TEXTO DE ISABEL SATURNINO

 

Quando me interrogo sobre as “não decisões” que alguns tomam em nome dos “direitos” de outros, questiono-me sobre o que é na verdade um direito? E por paralelismo um “dever”.

Quando me falam no país onde vivo como o país dos normativos avançados, questiono-me se as pessoas que os operacionalizam, acompanharam as mentes criativas ( que admiro!) que os criaram.

Que percursos “divergentes”se desenharam entre as leis que criaram e os destinatários que as carregam?

Já que Agora, neste Presente que continua a ser Passado e parece querer contaminar o Futuro há crianças que vêem o seu futuro comprometido por decisões de homens que querendo ser Deuses, se afastam do seu destino de Homens Justos, que sendo homens como os outros são frágeis, influenciáveis, fruto de uma educação de um modelo, que não pode ser “ O Melhor” porque “O Melhor” não existe, o que existe é “O Possível”. 

 

Assim, se nos fosse possível partirmos destes princípios, ou melhor destas interrogações poderíamos fazer convergir os caminhos e então diríamos….

Tudo correu bem, os homens e as leis entrelaçaram-se e foram felizes para sempre …. “E acabou a história da D. Vitória”

Aonde ficou a geometria da vida? Não ficou esquecida! Servi a entrada.

Aprendi a crescer entre triângulos e círculos. As casas, aprendi a desenha-las com um tecto. O tecto é o abrigo. As rodas rolam, caminham, imprimem um dinamismo.

As rodas enquadram-se na mesma realidade A Criança, a Família, a Rede de suporte familiar e institucional, a Cultura, a Educação, o Emprego.

Círculos contidos em círculos cada vez mais abrangentes, com um pequeno ser no meio, a nascer, a crescer. Chegou à creche, deixou a chucha, largou a sesta; foi para a escola, caiu-lhe o dente; foi para o liceu, cresceu a espinha, picou a barba, foi para outra escola ou para o trabalho, tornou-se adulto, se teve meios tirou a carta comprou o carro.

Quem esteve lá, quem o acompanhou, quem lhe deu carinho, o consolou, alimentou, o levou à escola, lhe ralhou e castigou? Quem lhe restituiu a esperança quando sofreu a primeira decepção?

Retomando o Triângulo. No vértice está uma criança, o ponto de equilíbrio é frágil! Tem um pezinho no bico, para que lado irá cair, quem a irá empurrar?

Em baixo estão duas famílias, num lado a família biológica, aquela mãe estrangeira, desenraizada do seu país, que tendo consciência da sua fragilidade, das descontinuidades possíveis no trato, decide caminhar até ao outro vértice e pedir ajuda a uma outra família.

Neste vértice, um núcleo de diversas pessoas acolhe-a, mima-a, ajuda-a a crescer.

Estas pessoas serão uma família comum portuguesa, provavelmente não tão distante da família que deu origem á mãe da menina. Provavelmente não foi o acaso que as aproximou!

Foram estes que lhe garantiram estabilidade, amor, cuidados

Um dia a mãe biológica partiu e a menina ficou. Um dia a mãe biológica quis levar a menina. Quem decidiu, segundo que parâmetros, quem ouviu as figuras para ela significativas. Não falo só da família de afecto, mas dos outros, dos filho do casal, da família alargada, dos outros que estão na escola, na vizinhança, no Centro de Saúde, numa teia alargada da rede que a sustentava.

Sei que havia outras questões a ponderar, sei que o futuro poderia não ser seguro, poderia ser também frágil, mas cabia “a quem de direito” equacionar essas probabilidades.

Agora pelo menos tenho uma certeza, o seu Presente é frágil, a sua construção é feita de hiatos, como será no futuro?

Acabo como comecei continuo cheia de dúvidas. Sinto-me naquele patamar a que alguns chamam “ dos indecisos”, e que eu prefiro apelidar “dos inquietos”

* Isabel Saturnino é assistente social.

 

Comments

  1. Lindo e certeiro!

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