Os salários da Função Pública e do Sector Privado

Os trabalhadores da função pública auferem mais 10 a 15% do que aqueles do sector privado”; esta afirmação de Passos Coelho gerou natural controvérsia no mundo da blogosfera. Este “site, por exemplo, remete para um estudo do Banco de Portugal (Portugal e Centeno, 2001), o qual acaba por ser prejudicado por um outro estudo do mesmo Banco, de autoria de Maria Campos e Manuel Pereira em 2009, de conteúdo técnico mais elaborado. Assim sendo, é desperdício de tempo falar do primeiro e vale, então, a pena analisar este último; ao que se sabe, aquele em que Passos Coelho se fundamentou.

Passemos, então, a analisar o segundo dos referidos estudos, usado como argumento de fundo neste outro blogue e cuja conclusão principal é o tal diferencial de salários + 15% na função pública em relação ao sector privado. Levantamos algumas reservas que, de resto, o próprio estudo provoca:

  •  Não é explícito como o estudo acomodou a Educação, Justiça, Negócios Estrangeiros e Saúde, sectores sem paralelo de existência ou de falta de dimensão no privado, os quais, por si, justificam parte substancial da superioridade da expressão de licenciados na função pública, 50%, contra apenas 10% no sector privado – a área da Defesa, segundo os autores, foi excluída do estudo e não é perceptível que a Administração Interna tenha sido incluída.
  • Juízes, professores, médicos, independentemente do género, são remunerados com base na qualificação profissional e função desempenhada – uma juíza ou um juiz, uma pediatra ou um pediatra, uma professora de português ou um professor de português, uma embaixatriz ou um embaixador são alguns dos exemplos de que, em matéria de remunerações e condições de trabalho, o Estado não faz nem pode fazer distinção entre o profissional feminino e masculino – no estudo, na descrição das características da base de dados (BD’s) criada, assegura que foi tido em conta o género. Com que critérios e sobre que segmentos da BD’s? No caso das profissões citadas, por exemplo?
  • A desigualdade remuneratória da mesma actividade profissional, em função do género no sector privado é um fenómeno de escassa expressão na Administração Pública, onde o emprego feminino é mais elevado – não é claro que tipo de ajustamento foi feito na concepção da BD’s.
  • O estudo refere explicitamente: De facto, o emprego na Administração Pública é estável, sendo expectável que um indivíduo permaneça funcionário público durante toda a sua carreira”. Esta consideração, se já era questionável em 2009, mais infundamentada se revela nos dias de hoje, face a exemplos bem concretos do sucedido com a colocação de professores neste ano lectivo – contratos a prazo – e à lei da mobilidade que, dito pelo actual governo, poderá ser agravada até à situação de licença sem vencimento com prazo ilimitado. Se o prémio arbitrário dos autores é justificado no estudo desta forma: artigo aborda duas questões principais. A primeira diz respeito aos incentivos ligados ao nível dos salários, que são investigados, sobretudo, com base no prémio associado a trabalhar na Administração Pública”,então há razão para duvidar da consistência do modelo utilizado, na proporção da diminuição da confiança da validade dos pressupostos da base de dados.

Temos, pois, de concluir que o estudo, em si, e pese embora a qualidade dos modelos econométricos utilizados, não preenche condições de fiabilidade para comparar dois universos socioprofissionais muito distintos, uma vez que as aproximou através de técnicas e mecanismos de construção de bases de dados necessariamente complexas mas duvidosas quanto à representatividade dos segmentos utilizados.

Através do Gráfico 1, página 65, tanto em 1996 como em 2005, os autores demonstram que, no sector privado, há uma grande concentração à volta 1.º quartil, considerando, por isso, tratar-se de uma grande concentração no salário mínimo. Já o gráfico de densidade do sector público evidencia um comportamento de salários mais favorável para os trabalhadores do sector público, com uma melhoria acentuada de 1996 e 2005. Também é como consequência dos dados tratados neste gráfico que os autores do artigo inferem que os salários do sector público são superiores em 15% aos do sector privado.

Empiricamente, e o estudo da Capgemini confirmou-o no tempo de Sócrates, sabe-se que, se comparadas profissão a profissão, função a função – no que é comparável! – os salários dos quadros do sector privado excedem bastante os valores pagos pelo sector público.

Bastaria medir as remunerações de CEO’s, Administradores, Directores-Gerais, Directores e quadros especializados de Bancos, empresas petrolíferas com destaque para a Galp, operadoras de telecomunicações e multimédia (PT, TMN, Vodafone, Optimus e Zon), EDP, Administradores de hospitais EPE e Privados e adicioná-las de ‘fringe benefits’, como viatura e combustível, telemóvel e cartão de crédito; e por fim compará-los com os equivalentes do sector público – talvez alguns juízes e generais sejam os mais próximos, mas ainda assim a alguma distância em certos casos.

Os médicos, sobretudo os especialistas, constituem um exemplo curioso, para os fins do estudo a que nos referimos. Trabalham quase todos no sector público e no privado. Muitas das vezes através de sociedades unipessoais ou de outro género, retirando daí remunerações consideráveis e outras regalias como a compra de viaturas a gasóleo e consumos através das sociedades médicas. Como é que o estudo tratou esta actividade privada dos médicos? Provavelmente foram avaliados apenas na função pública. O actual Ministro da Saúde, Paulo Macedo, conhecerá porventura a situação e – nem de propósito! – teve uma passagem pelo Ministério das Finanças e regressou ao BCP, porque a remuneração que lhe foi atribuída, 25.000 euros salvo erro, excedia em muito os limites legais.

Enfim, se o primeiro-ministro se serve do argumento da função pública ganhar mais 15% do que o privado, e dando de barato que esse resultado é certo, politicamente o que lhe competia era conceber e aplicar políticas de promoção dos trabalhadores do sector privado ao nível do que diz ser pago na função pública. E não usar estratagemas de retórica para justificar os cortes de subsídios (14,28%), curiosamente aplicados aos funcionários públicos na actividade, aos aposentados e aos pensionistas do sector privado. Haja decência!

Comments

  1. António Ramos says:

    Tanta conversa para concluir que o governo também deveria “cortar” no sector privado ou, então, “conceber e aplicar políticas de promoção dos trabalhadores do sector privado ao nível do que diz ser pago na função pública”.
    Eu acho que deveria concluir: “!mexer no meu bolso é que nunca!”
    Agora que na função pública se ganha muito mais do que no sector privado, isso é um facto. Isto se exceptuamos alguns privilegiados que ocupam os lugares de topo, infelizmente mais do que seria razoável, o que também é verdade.


    • Sugiro, com todo o respeito, que leia de novo a “conversa” toda.

      E note também que só por ser a sua convicção de que se ganha mais no sector público, isso não o transforma num facto.

      Por exemplo, do que tenho observado, uma pessoa com a formação adequada que seja excelente no que faz, sobe muito mais depressa no sector privado e aufere substancialmente mais do que no sector público. Obviamente, não posso generalizar a toda a economia o que eu vejo num sector muito específico.

      O problema é que, devido a políticas que tiveram origem no Silva das Vacas, enquanto PM, a estrutura económica do país dividiu-se nos monstros multinacionais (EDP, PT, GALP, etc) que têm uma estrutura de salários mais ou menos parecida com o estado. No resto temos a competitividade alimentada por salários baixos e pessoal sem qualificações (isto é uma sobre-simplificação). Assim não é de estranhar termos salários mais baixos no privado.

    • Carlos Fonseca says:

      Entenda o que quiser, mas a dimensão da conversa, que reconheço ser “longa”, é imposta por um estudo do Banco de Portugal muito mais extenso. Com base num período de uma dúzia de palavras desse estudo, o PM simplificou a conclusão dos + 15% de salários na função pública.
      Sempre lhe adianto uma coisa: nunca fui funcionário público. Portanto, a minha opinião não é determinada por interesses pessoais, mas somente pelo desejo de ser objectivo, e neste caso necessariamente detalhado, no estudo e na opinião qur formulei…ah ainda adianto que não tenho motivações partidárias, mas somente preocupação de defender o rigor nestas abordagens, bem como a justiça social.


    • O António Ramos não entendeu. Não quer entender. E tem raiva de quem entende…


  2. se se diz que os exemplos veem de cima porque é que o PR + deputados + governo + presidentes CM + todos gestores úteis e inúteis que inventaram quanto ganhar e tempo de trabalhar (tempo ???) – não cortam os seus cartões de crédio que eu pago, não usam o seu carro privado e compram a gasolina como eu, não vão a pé ou de biciclete, não têm só um emprego e uma reforma (como eu) e dos outros apenas a % do tempo em que trabalharam cumulativamente, sem acumular, assim, 100% como se tivessem para cada um o tempo inteiro e o seu dia tivesse 50 horas e não 24 como o de todos nós – porque não vão confessar os seus pecados à santa madre igreja e PAGAR o que devem a quem os fez ricos com a arte de suas mãos – porque ganham por semana o que eu com mais saber e preparação escolar ganho por ano, e tenho o meu e o nosso trabalho mal pago – nem um milagre os converte à moral e decência – nem um milagre os converte à decência – este roubos à mão desarmada desde 1986 – acumularam e transformaram em riqueza o que não pagaram a quem deviam – e fizeram a Justiça à sua medida ??? mesmo com o mesma preparação escolar a sua competência justifica tais roubos descarados fora o que anda por aí tão escondido ??? até compram “ilhas” e que me lembre a 1ª pessoa a fazê-lo foi Marlon Brando e Onassis – a entrada de Portugal na CEE fez perder a cabeça nesse mar de dinheiro a que n~inguém resistiu nem quiz fiscalizar e sobretudo destinar ao que estaria destinado e foi desviado e o país está desertificado, o agro-silvo-pastoril mais do que pobre, a indústria foi secada e dada a quem com falências falsas – este país devia ser uma PRISÂO pois que as que existem não chegariam para os engavetar – ou fugiriam para Londres ??

    • Carlos Fonseca says:

      Maria Celeste,
      Estou de acordo praticamente com tudo o que diz. O meu ‘post’, face à polémica provocada pelas palavras do PM, apenas pretende colocar em dúvida o rigor de um estudo e de uma conclusão (+15% na f.p.) que, sobretudo, visa atingir os trabalhadores de escalões mais baixos.
      De resto, nunca fui funcionário público, mas ao contrário quadro de empresas e sobretudo conheço – muitos conhecemos – inúmeros casos de cumplicidades escabrosas entre políticos e o mundo de negócios – olhe, a nomeação de Joaquim Ferreira do Amaral, ministro das obras públicas de Cavaco, para CEO da LUSOPONTE, o caso das sucatas do Vara e do Godinho, o BPN e para aí fora, chegámos ao caos que sabemos.


  3. Não havendo dinheiro não há palhaço diz o ditado! Mesmo que os FPs ganhassem metade do que ganham os trabalhadores da privada o corte tinha de ser feito para continuarem a receber! Na privada falta de dinheiro significa despedimento ou encerramento. Dêem-se por contentes os FPs por continuarem a receber! Sempre é melhor que irem pra rua!

    • Carlos Fonseca says:

      Como não percebeu o sentido do ‘post’, desvirtua. Fique, então, satisfeito com a punição dos fp’s, esquecendo o pensionistas do privado, por exemplo. Estes últimos, anos a eito, descontaram e as respectivas empresas contribuiram. Mas, é pormenor de somenos. O governo que corte, a torto e a direito, mal ou bem, porque tem sempre razão, independetemente de falácias e cretinices.


  4. Não há dinheiro? Alguém o roubou…

    • Carlos Fonseca says:

      Alguém o roubou, uns, e que continuam a roubar, outros – ‘Les uns et les autres’…

  5. Humberto says:

    O probelam reside num papel chamado IRS em os da F.P. declaram o que realmente recebem os da privada declaram os minimos para ficarem com a missão cumprida.

    • cristiana says:

      muito boa noite então cá vai tenho o prazer de fazer um ano em FP agora repare faço 35 horas semanais muito mal feitas (onde está a produtividade) recebo 620 euros de salário.
      agora a outra face venho do privado 40 horas semanais controlado ao segundo taxa produtiva de 90% por 500 euros agora digam me onde está o erro?
      e no que diz respeito aos lugares de topo que no privado ganham mais tenho a dizer que é um erro muito grande os plafons salariais funcionario 500€ chef 1000€ porquê essa diferença se pouco mais merecem mais 50€

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