Lettres de Paris #11

Petits jours, trés longues rues

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Com a mudança da hora, já se sabe, os dias ficaram mais pequenos. Quero dizer, continuam a ter 24 horas, naturalmente, mas anoitece bastante mais cedo. Em Paris às cinco e meia da tarde anoitece. Isso entristece-me, mesmo gostando muito do outono e do inverno não gosto nada que os dias comecem a encurtar-se. O outono em Paris é francamente bonito. As árvores que há em quase toda a parte tomam cores perfeitamente deslumbrantes. Sou capaz de ficar um longo tempo a olhar para as cores das árvores e para as folhas a cair, amarelas, castanhas, vermelhas, até formarem grandes tapetes desalinhados.

Tal como supus ontem à noite, quando me mudei do 3º andar para o 1º da Maison Suger, o meu novo estúdio, além de ter algumas coisas que não funcionam, apanha muito pouca luz do sol. De maneira que hoje, embora o despertador tenha tocado, supus que era ainda madrugada e, sendo feriado, deixei-me ficar na cama – agora grande – a preguiçar. Levantei-me passado um grande bocado e abri a janela. A Rue Suger estava calmíssima e estreita, como de costume. Olhando para cima via-se o céu azul, como uma risca larga no meio dos edifícios. Depois do pequeno almoço, enquanto fumava um cigarro debruçada no varandim, com a cabeça apoiada nos braços, olhei a janela em frente e a rapariga – que agora mesmo, há bocadinho, percebi que estava grávida – que mora nas janelas em frente, viu-me e sorriu-me. Sorri-lhe também, naturalmente. A casa em frente não tem cortinas, parece-me que se mudaram há pouco tempo. Reparei há bocadinho, enquanto fumava outro cigarro debruçada na janela, que estão a arranjar o quarto do bebé. Há um armário verde claro, de portas abertas mesmo em frente à janela e o rapaz andou um bocado de volta dele, de certeza cheio de cuidados e amor. A barriga da rapariga é bonita e está já grande.

Depois do cigarro, do aceno e do sorriso, fui tomar banho e saí de casa. Apanhei o metro aqui mesmo ao fim da rua para Châtelet e nesta estação outro para Saint-Paul. Queria ir ao Marais. E assim fiz. Anda-se imenso nas estações de metro de Paris. Algumas cheiram bastante mal e têm imensas correntes de ar. Em quase todas onde estive, apesar disso, há quase sempre músicos a tocar. Hoje na estação da Place de la Bastille estava mesmo uma banda inteira, como 5 ou 6 elementos. Soaram-me a russos. Mas não posso garantir. Saí, então, do metro na estação de Saint-Paul e espanto-me ao ver ali a Rue de Rivoli. Talvez não me devesse espantar, Paris tem grandes ruas e enormes Boulevards. A Rue de Rivoli está entre as 6 ou 7 maiores. O Boulevard Saint-Germain também. Têm cada uma mais de 3 quilómetros. Descubro depois que há uma rua em Paris com 35 quilómetros de comprimento e outra com cerca de 13. Grandes ruas tem Paris para dias tão pequenos.

No Marais não há assim ruas tão grandes, é um bairro tradicionalmente judaico, com livrarias e cafés e boutiques com roupa fantástica a que tive de resistir, infelizmente. É atualmente um bairro chique. A Rue de Saint-Antoine é uma das mais chiques de Paris, diz-se. Mas as outras do ‘quartier juif’, também lhe poderíamos chamar assim, não lhe ficam atrás. Grandes marcas se encontram a cada esquina, marcas francesas, ou melhor, parisienses. C’est chic, vraiment. Ainda na Rue de Saint-Antoine entro na Église Saint-Paul-Saint-Louis. É muito bonita, como são normalmente as igrejas. Cheira a velas. Há centenas a arder neste momento e gente que reza em frente a elas. Adoro o cheiro das velas e das igrejas. Acendo uma também eu. Como mais tarde haverei de acender outra no Temple du Marais. Não é mania, é mesmo apenas gosto de acender velas nas igrejas. Principalmente nestas, onde a moda das velas ‘a fingir’ ainda não chegou, felizmente. Na Rue des Rosiers compro, justamente, uma vela com cheiro de laranja e canela. Quando vou para pagar cheira-me tão bem, ali mesmo ao lado, que não resisto a comprar outra de ‘lait de figue’. Estou a escrever este postal à luz dessa vela (bom, e de um candeeiro, visto que já não estamos na idade média).

Antes de entrar na Rue des Rosiers, andei um bocado na Rue Pavée, passei pela Rue du Roi de Sicile e pela Sinagoga Agoudas Hakehilos. As ruas estão cheias de judeus, com as suas barbas longas e os seus chapéus pretos. Os restaurantes são também de cozinha kosher e muitos anúncios são em hebraico. Parece difícil, o hebraico, a avaliar pelas letras. Continuo ao longo da Rue des Rosiers até encontrar a Rue Vieille du Temple. Continuam as boutiques, os cafés, os restaurantezinhos e as galerias de arte. Passo numa das ruas de que sempre achei graça ao nome: Rue du Marché des Blancs Manteaux e depois pela Rue des Blancs Manteaux. No cruzamento da Rue Vieille du Temple com a Rue des Francs Bourgeois viro à direita. Esta rua também não é pequena. Percorro-a e no cruzamento com a (de novo) Rue Pavée vejo o belíssimo edifício da Bibliothèque Historique de Paris. Um pouco mais à frente passo pelo Musée Carnavalet, encerrado ao que parece. Sigo em frente, cruzando ruas, até a Place des Vosges onde, vá-se lá saber porquê, só tinha estado antes à noite.

A Place des Vosges é, segundo alguns parisienses, a praça mais bonita de Paris. Não sei dizer se é ou não é a praça mais bonita de Paris, mas é verdade que é magnífica. Um enorme quadrado rodeado por belos edifícios cor de rosa e idênticos, com as suas janelas e janelinhas e as suas chaminés e chaminézinhas, os seus arcos e arquinhos e arcadas, por baixo das quais se multiplicam maravilhosas galerias de arte e cafés. A Place des Vosges é realmente bonita. No meio do quadrado, outro, com grades a toda a volta. É um jardim. Lindo, por sinal. Um jardim cheio de fontes e de árvores e de bancos e de outono. Entro no jardim e ando à volta dele. Sento-me num banco e fico a admirar, como de costume, as cores das árvores, as cores das folhas entre a água das fontes, a forma dos candeeiros e a quase perfeita simetria daquilo tudo. O dia já escureceu bastante, durante o meu passeio, e os raios de sol cada vez mais ténues, pintam tudo à minha volta, quadrado de fora e quadrado de dentro, daquela cor suave que só o entardecer no outono tem. Começa a estar mais frio, mas apesar disso, as crianças brincam por ali, vigiadas pelos adultos que se sentam também nos bancos.

Ao fim de um longo tempo, levanto-me e vou para a Rue du Pas de la Mule (também adoro o nome desta rua, bem entendido). Aqui está o Café Hugo, onde não entro desta vez. Ao fim da Rue du Pas de la Mule, viro à direita no Boulevard Beaumarchais. A Place de la Bastille está logo ali, com a sua agitação e a grande Colonne de Juillet e o seu anjo dourado, ou melhor le Génie de la Liberté, a lembrar a sua importância na história de Paris e de França. O anjo, ou o Génie de la Liberté, tem uma estrela na fronte. É bonito e delicado e leve, mas seguro ao mesmo tempo. A liberdade, pois. Na Place de la Bastille tomo o metro para Châtelet e daqui para Saint-Michel. Saio na Place Saint-André des Arts, vou ver o que está no cinema no Espace Saint-Michel. Há pelo menos dois filmes que gostaria de ver aqui, mas já começaram e as sessões seguintes são bastante tarde, para quem tem um montinho de roupa para passar a ferro. Assim sendo, deixo o cinema para outro dia e ando um bocadinho pelo Boulevard Saint-Michel. Já passa das seis da tarde e eu tenho fome. Vejo uma montra cheia de macarons de todas as cores e entro. Peço um café, mas passo os macarons, em vez disso como uma tarte de anánas e coco. Estava bem boa. O empregado da Maison Pradier é, uma vez mais, muito simpático. Pergunta-me de onde sou e quando lhe digo ‘portugal’, diz, naturalmente, ‘obrigado’. Tendo já ganhado forças para a horrível tarefa que me espera, vou pela Rue Serpente, depois pela Rue Hautefeuille, a seguir pela Rue Poitevans e Rue de l’Éperon até à Rue Suger. Antes de passar a ferro ainda me sento um bocadinho na cadeira de baloiço que agora tenho. Fecho os olhos por um momento enquanto baloiço a pensar nos dias pequenos e nas ruas muito grandes.

Comments

  1. Joao says:

    Se a Barbara Bulhosa estiver atenta ira convida-la para reunir estas magnificas cronicas na sua coleção de viagens com o titulo “crónicas de paris”
    Eu comprarei o livro.

  2. Nascimento says:

    Está bem. Obrigado pela partilha.Mas ,mon Dieu, estar na place des Vosges e não ver a casa da Vitor Hugo!!!Ui…e não olhar uma das mais belas fotos de Nadar: Vitor Hugo no seu leito de morte!Verdadeiramente impressionante. E o museu da judaico?E a Maison de la Photo?E a sinagoga situada na rua de onde foram deportados para Drancy milhares de judeus?E museu de Picasso?Porque chamo a atenção para estas pequenas coisinhas?Ora,porque ha mais de 20 anos….o meu poiso perferido😁!Só isso😁.

    • Elisabete Figueiredo says:

      Tenha calma. São 3 meses. Ainda agora começaram. Ça ira!

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