Lettres de Paris #38

Vivre à Paris c’est très bon, oui, surtout si vous n’y vivez pas…

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Paris tem 20 arrondissements e muitos mais quartiers. Cada bairro tem as suas características e há para todos os gostos. Os mais comerciais como Terne, Rue Clerc, Poteau, os mais turísticos como – claro – o da Torre Eiffel, Saint-Michel, Montmartre… os mais animados como o Quartier Latin ou République, os mais ajardinados – Luxemburgo, Monceau e os mais ‘fashion’ como o Marais ou o Canal Saint Martin. Seja como for, como disse, há bairros para todos os gostos. Uma coisa têm todos em comum, no entanto (ou quase todos): o preço das casas, quer seja para comprar ou alugar. Outro dia fiquei embasbacada diante de uma montra de uma imobiliária em Montmartre onde um anúncio dizia que um ‘estúdio’ com 10 metros quadrados custava, por mês, 440 euros. 10 metros quadrados tudo, o estúdio, a casa de banho e a cozinha. Pergunto-me como seria viver em 10 metros quadrados, tipo o tamanho da minha casa de banho grande e, sinceramente, ou sou eu que tenho uma casa de banho mesmo grande ou não sei.
 
Nos primeiros dias que aqui cheguei, desta vez, via também os preços de casas para comprar, por curiosidade, obviamente, que não tenho dinheiro para isso nem sou o Engº Sócrates, bem entendido. A verdade é que as casas mais baratas que vi, com 50 ou 60 metros quadrados, deve dizer-se, custavam mais de 1 milhão de euros. Eu repito: mais de um milhão de euros. E havia muitas que custavam perto de 2 milhões com umas áreas um pouquinho maiores, tipo 80 ou 100 metros quadrados! Por falar em Sócrates…. afinal os 2,25 milhões de euros que se diz que valia a casa onde vivia em Paris, no quartier Passy no 16º arrondissement, não são assim tantos como isso atendendo a que se diz também que o apartamento teria 225 metros quadrados e o 16éme é um dos bairros mais chiques de Paris. Só compreendi isto depois de ver aqui os preços das casas, claro está.
 

Claro está também que para um português que ganhe um salário médio, alugar ou comprar um apartamento em Paris está fora de questão, a menos que se assalte um banco, se ganhe a lotaria ou outra qualquer coisa que nos faça ficar instantaneamente ricos. Claro que para um francês que ganhe um salário médio as coisas também não serão exatamente fáceis, a menos que se queira viver em 10 metros quadrados ou nos arrabaldes mesmo arrabaldes. Se forem dois franceses com salário médio, aí será mais ou menos possível viver em Paris. O salário mínimo em França é de 1466,62 euros. Uma soma que é quase quase 3 vezes o salário mínimo em Portugal. Um investigador do CNRS – Centre Nationale de la Recherche Scientifique, com a minha idade, ganhará seguramente três vezes mais que eu e estará, pelo menos mercê da antiguidade, se não da competência, num escalão elevado da carreira. O mesmo vale para um professor universitário. No início da carreira, os salários são semelhantes aos portugueses, mas aqui progride-se bastante mais depressa, em qualquer caso. E em cima dos salários ainda existem vários prémios. Por isso admito que aqui, se eu trabalhasse na mesma profissão que tenho, me seria eventualmente mais compensador que em Portugal. Mas depois, gastaria metade do salário numa casa de 50 metros quadrados, metade do que tem a minha casa (que é pequena) em Portugal. Se quisesse viver no Quartier Latin ou em Saint-Germain a renda não me ficaria por menos de 2 mil e tal euros. Para 50 metros quadrados. É preciso dizer que se pagam estas rendas porque os edifícios são todos antigos e xpto. Também é preciso dizer que, frequentemente, quase todas as despesas (gás e água, pelo menos) estão incluídas na renda. Assim mesmo.
 
Depois, além da renda, há a comida. No supermercado, os preços são um bocadinho mais elevados que em Portugal. Por exemplo uma caixa de cereais, da mesma marca exatamente, pode custar aqui mais um euro ou euro e meio. No restaurante, se for um restaurante a sério e não uma Brasserie, uma refeição de prato, sobremesa, copo de vinho e café, chega facilmente aos 25/30 euros. Para uma pessoa. Se for numa Brasserie é um bocado mais barato, mesmo porque muitas têm menus a preço fixo que podem ser bastante compensadores. Um café expresso custa, no mínimo 2 euros. Ainda não encontrei mais barato. Uma garrafa de água de meio litro custa 1 euro e meio ou 2 euros. No supermercado é ligeiramente mais barato. Um bilhete de cinema em salas mais modernas, tipo MK2 ou UCG pode chegar a custar 12 euros, contra os nossos quase 7 (embora em Lisboa haja salas a 8). Nas salas mais antigas, como o Le Champo ou o Espace Saint-Michel que passam ciclos de cinema ou filmes mais alternativos, os bilhetes custam entre 5 a 8 euros, dependendo se temos um cartão que nos dá descontos. Os livros têm mais ou menos o mesmo preço que em Portugal. Nisso não noto grande diferença, sendo apenas que, comparativamente aos salários, aqui, para os franceses, são bastante mais baratos que para nós, em Portugal.
 
Um bilhete de metro custa aqui 1,90 euros. O mesmo para o autocarro e, neste caso dá para 1h, mesmo que mudemos de veículo. Se comprarmos carteirinhas de 10, os bilhetes ficam mais baratos, a 1,5 ou 1,60. Aqui a diferença não é grande em relação aos preços do metro e do autocarro em Lisboa, por exemplo. Em muitos museus as exposições permanentes são gratuitas e os bilhetes para as temporárias podem variar entre os 9 e os 20 euros. Os desempregados, estudantes e pessoas portadoras de deficiência não pagam nada ou pagam uma tarifa bastante reduzida. Espectáculos em clubes de jazz (ainda não fui a outros) são muitas vezes gratuitos, mas os bilhetes podem chegar aos 25 ou 30 euros, dependendo dos músicos. A roupa, em lojas iguais ou equivalentes às que existem em Portugal é mais ou menos o mesmo preço. Nas lojas mais caras não tenho ideia… não sei porquê nunca me dá – como não me dá em Portugal – para entrar na Chanel, ou na Prada, ou na Louis Vuitton ou sei lá eu mais onde. Gosto de fazer compras, é verdade, e gosto de roupa e dessas coisas, mas tenho os meus limites, digamos.
 
E é isto a vida prática em Paris. Eu tenho sorte, porque vivo num quadrado de uns 18 a 20 metros quadrados, mais uma casa de banho grande e uma cozinha que é um corredor, basicamente. O que pago para viver aqui, na fronteira do 5éme como o 6éme, mesmo quase em cima da Notre Dame e a dois passinhos de bebé da Place Saint-Michel, rodeada de cinemas, livrarias, clubes de jazz e mais uma série de coisas maravilhosas, é um bocadinho caro, para os meus bolsos de portuguesa, ainda que seja bastante barato para os preços de Paris. Estou na Maison Suger que pertence à Fondation Maison des Sciences de L’Homme (FMSH)* e que acolhe cientistas estrangeiros para estadias curtas ou mais prolongadas em Paris. Para ficarmos aqui temos de fazer um pedido justificado, juntar um curriculum vitae, um plano de trabalhos e uma carta de recomendação, pelo menos. Tive sorte e aqui estou. Tive sorte e uma bela carta escrita pela Nicole e mais um CV menos mau e um plano de trabalhos suficiente. Imagino que um estúdio como este chegasse facilmente, a preços do Quartier Latin e atendendo a que este é um belíssimo edifício (embora o interior não seja nada de excecional) aos 1500 euros. Felizmente não é isso que tenho de pagar, dado que uma boa parte da renda é, exatamente, suportada pela FMSH. Esta fundação tem muitas atividades, desde o apoio ao alojamento de cientistas estrangeiros até à edição de livros, passando pela organização de seminários e conferências, serviços de biblioteca, apoio à investigação, etc. Uma bela fundação, criada em 1963 por Fernand Braudel e a que presidiram já muitos ilustres cientistas sociais. O atual presidente da Associação dos Amigos da FMSH é Immanuel Wallerstein, por exemplo.
 
Como hoje só pus o nariz fora da Maison Suger durante uma hora ou duas, porque tinha uma reunião por Skype a meio da tarde com ingleses, espanhois, italianos e holandeses, e não sabia se no Ladyss iria encontrar alguma sala livre para estar descansada, resolvi escrever uma carta sobre estes pormenores práticos. Que não são pormenores, claro, se temos de lidar com eles, sobretudo no que diz respeito ao custo de vida e às diferenças entre França e Portugal, nesta matéria. Viver em Paris é muito bom, sim, por muitas razões, desde logo Paris em si mesma e as suas múltiplas maravilhas. Mas também acho que é muito bom, porque não vivo cá sempre e para sempre e não tenho de viver em 20 metros quadrados sempre e para sempre, pagando, ainda assim e apesar da FMSH, uma pequena fortuna (para os meus padrões, bem entendido). Mas se eu tivesse muito dinheiro, o quartier que escolheria para viver seria exatamente este onde estou. Trabalharia na Sorbonne ou no Ladyss ou mesmo na École des Hautes Études en Sciences Sociales, para onde iria a pé (hum… bien… para a EHESS talvez apanhasse o metro, que ainda é um bocadito longe). Como já sou velhota ganharia pelo menos 3 vezes mais do que ganho agora. Falaria e escreveria um francês irréprochable, frequentaria os pequenos cinemas e as pequenas livrarias do Quartier. Iria várias vezes por mês aos museus e aos concertos nos clubes de jazz. E quando abrisse as janelas do meu petit apartement de 40 ou 50 metros quadrados, para fumar um cigarro, respiraria o ar de Paris, provavelmente desejando estar noutro sítio, como Aveiro, a ter a vida que tenho normalmente. Afinal, como sempre, constato que não é onde vivemos que interessa mas como o vivemos, n’est ce pas?
 
*Informações sobre a FMSH – http://www.fmsh.fr/

Comments

  1. Pedro says:

    Elisabete, sorri a ler este post, porque estive uns tempos a viver numa casinha de porteira, na Rue de Tolbiac (no 13ème), ao lado de um dos pólos de uma universidade (Panthéon Sorbonne? Acho que era esta). Éramos quatro, eu e um casal com um filho, que já viviam aí, num espaço de uma casa de banho bem jeitosa, dividido por cortinas. Por falar nisso, ia-se tomar banho a um dos vários humildes hammam nas redondezas. Como acho que não pagavam nada (eram os porteiros), se calhar era mais suportável. Mas faziam milagres na convivência e na organização do espaço. Agora que penso nisso, acho que se lá voltasse, mas sozinho, ia-me sentir no palácio de Versalhes 😉
    Continue, gosto imenso de a ler sobre as coisas de Paris. Lembro-me de um café, meio café, meio restaurante e cabaret, chamado Aux Assassins, onde paravam uns patúscos divertidos e que sei que já fechou.

    • Elisabete Figueiredo says:

      Aux Assassins? Que nome genial. Vou averiguar se ainda existe e ligo lge contarei 🙂