Don’t Look Up: Muito mais retrato do que sátira

@Netflix

Segundo o dicionário Priberam, sátira é uma crítica em tom jocoso ou sarcástico. O filme “Don’t look up”, da Netflix, com um elenco de luxo, tem sido apelidado de sátira, um pouco por todo o lado. Percebo, mas não podia discordar mais.

A verdade é que considero o filme mais retrato do que sátira, mais documentário do que ficção. Nada do que lá acontece, por incrível que pareça, me parece demasiado estranho para poder ocorrer “cá fora”, no mundo real. E, não sendo uma obra-prima, nem um filme que será recordado daqui a 100 anos, é um filme que faz pensar, que está perfeitamente ajustado ao momento histórico e isso é muito do que de mais importante se poderia pedir nesta altura.

A verdade é que entramos numa era de profundo obscurantismo em que os alicerces em que fomos construíndo o mundo estão a ser abalados, a ser colocados em causa, deixando a sociedade apoiada em resquícios de informação. Foram rompidos os princípios de confiança nas instituições, na ciência, no conhecimento. Tudo substuído por uma inflação do ego e do comportamento manada, numa caminha de excesso de entretenimento e distracção. A escala de prioridades foi invertida e, apesar de o filme usar uma ameaça objectiva (que, do ponto de vista narrativo, me parece ser uma metáfora para o aquecimento global), a verdade é que as ameaças que o mundo real tem são outras. Muito para além da pandemia, do aquecimento global, da pobreza, da desigualdade, os problemas aos quais, infelizmente, nos habituamos e não devíamos, existe um adormecimento colectivo que poderá transformar o mundo como o conhecemos. Já o está a fazer.

A afastar-nos da essência humana, tornando-nos uma espécie de híbridos entre o humano e a máquina, numa sucessão de respostas pré-definidas, de comportamentos repetidos ao infinito, a caminho de um conformidade de pensamento assustadora, digna dos melhores escritos de Orwell. A parte mais assustadora é a apatia generalizada, porque o inimigo não é concreto. Não está corporizado num ditador, num grupo extremista, numa entidade. A ameaça é uma espécie de aura colectiva que nos empurra para o mesmo fim.

E, da mesma forma que a população do filme nega a existência de um cometa que está, literalmente, acima das suas cabeças, também no mundo real se pensa que está tudo bem, se normaliza o que nunca foi ou será normal, se encolhe os ombros até ser tarde demais

Tavares VS Ventura: atropelamento sem fuga

A forma como Rui Tavares destruiu André Ventura no debate de ontem foi épica. Acusou-o, com substância, de ser do sistema que diz combater, expôs o vazio que é o programa do CH, esfregou-lhe Luís Filipe Vieira na cara a propósito do RSI, enumerou os financiadores e membros do CH ligados à banca, à evasão fiscal e a outros esquemas do verdadeiro sistema, e ainda puxou de Calouste Gulbenkian, a propósito dos passaportes humanitários. E tudo isto com serenidade e segurança, sem nunca se deixar irritar pela lama que o pequeno Ventura lhe tentava arremessar. Uma tareão à moda antiga. E Ventura, nervoso é visivelmente irritado, nunca se levantou. Não recebeu réplica às provocações demagógicas, soltou uns Sócrates e Salgados desesperados e de nada lhe valeram as interrupções constantes. Foi dizimado. E foi bonito de ser ver.

Chega: disparar primeiro e depois se vê

Uma das bandeiras do Chega é, como se sabe, a subsidiodependência. E o Chega, quando agita bandeiras, faz uma barulheira desgraçada.

Penso que podemos entender subsidiodependência como um sinónimo de parasitismo. Não haverá apoios sociais sem parasitismo, como não há medicamentos sem efeitos secundários.

A questão está em se a dimensão do parasitismo e dos efeitos secundários é suficiente para medidas mais drásticas. Depreende-se, então, do discurso do Chega, que a subsidiodependência é uma praga social, com multidões de parasitas alojados no erário público ou, para usar o chavão de Ventura, num país em metade vive à custa da outra metade, o que inclui Mercedes à porta e telemóveis e o diabo a quatro.

Diga-se, de passagem, que o parasitismo endémico, pandémico ou localizado deve ser combatido.

Nos Açores, o Chega alcançou uma boa votação com este discurso de combate à subsidiodependência como um problema, defendendo que é preciso reduzir os apoios sociais. A responsabilidade epistémica, a que se refere o César no seu magnífico texto, obrigaria a que o anúncio deste problema estivesse ancorado num conhecimento profundo.

Parece que, afinal, falta ao Chega-Açores esse mesmo conhecimento profundo, como se pode deduzir do pedido que fez à Assembleia dos Açores, com o deputado do partido a pedir informações sobre o RSI na região.

Diz um ditado antigo: “Quem não tem vergonha, todo o mundo é seu.” Nem responsabilidade, nem epistémica – o Chega é o pistoleiro bêbedo do faroeste que dispara primeiro e depois se vê.

Uma questão de liberdade de escolha

É muito gira a ideia da Inciativa Liberal, de que os pais podem escolher livremente a escola e que o Estado suporte o custo.
Espero que a IL também proponha que o trabalhador escolha livremente o restaurante, ao invés de comer na cantina, e que o patrão pague a conta.