O Museu do Cairo é das pessoas do futuro

O Museu Egípcio do Cairo foi hoje assolado por uma chuva de coquetéis molotov,  lançados de janelas e terraços próximos do edifício.

Trata-se de uma ação organizada, foi decidida e instigada por alguém. Sobre quem são os responsáveis os acusadores dividem-se e corremos o risco de nos perdermos entre informação e contra-informação.

O que se espera é que objectos que resistiram aos séculos sobrevivam ao tempo breve de uma revolução e permaneçam como património das futuras gerações. O que se espera é que a arte de anteriores civilizações não desapareça em nome de interesses políticos de hoje.

Não preciso de conhecer o nome dos culpados para ter uma opinião: são múmias e deviam estar expostas num museu. Na secção dos animais irracionais.

Eu vejo este povo a lutar

Anda tudo tão entretido com o Egipto (não confundir com “Egito” que é nome de pessoa, ainda por cima de poeta) que nem se repara no rei da Jordânia que demitiu o governo (antes que o demitam a ele, 1 de Fevereiro é um bom dia para regicídios) e na Síria que já tem a sua revolução marcada para 6ª feira.

2011 começa com um Janeiro a saber a Abril. Dá-me a nostalgia, privilegiado que fui por ter vivido uma revolução na adolescência,  “eu vi este povo a lutar“, e dão-me em cima com os viciados em pânico do costume: os ocidentalistas.

Os ocidentalistas tremem de medo perante o islamismo (como se as religiões não fossem todas iguais e crentes no mesmo deus), os mercados andam aflitos com o petróleo. Já os vi a arrancar o cabelo porque Portugal podia virar a Cuba da Europa (uma tolice pegada: URSS e EUA tinham o seu tratado de Tordesilhas e as jangadas de pedra são um conceito tecnologicamente muito avançado e por enquanto impraticável). É sempre assim. Eu gosto do povo a lutar.

Uma faísca incendiou a pradaria, como dizia o camarada Mao, o incêndio é muito mais rápido do que foi o último movimento revolucionário comparável, o que culminou no derrube do Muro de Berlim. Dali só podem vir coisas boas, porque o que ali estava tinha que ser derrubado. O mundo está a ficar melhor.

A Liberdade no Islão:

Quando olho para o que se passa na Tunísia e no Egipto fico moderadamente optimista. Um optimismo fundado no que vi e ouvi dos manifestantes muçulmanos em Londres, uma vontade genuína de Liberdade.

Ingenuidade minha? Talvez. O que querem, por exemplo, os muçulmanos egípcios e tunisinos que vivem em Inglaterra e que estavam na manifestação pelo fim das ditaduras no mundo árabe? O mesmo que os seus irmãos em França, na Alemanha ou nos EUA: uma vida melhor para os seus na sua terra. Sem entrar em grandes filosofias ou teorias políticas: querem comprar um bom carro, comer em restaurantes, ir ao cinema, ter um iPhone e navegar na internet. Querem ter aquilo que nós temos e que muitas vezes nem damos o devido valor tal a forma como o nosso estilo de vida se generalizou na nossa sociedade. Eles querem viver.

E esse querer, fundado na sua experiência de vida no mundo ocidental, deve-nos obrigar a ajudar a que assim seja e a melhor ajuda que podemos dar é a nossa abstenção construtiva. Ou seja, não interferir, não voltar a ter tiques imperialistas. O lado mais fundamentalista e radical do islamismo só pode ser combatido pelos muçulmanos moderados. É uma batalha entre irmãos, entre homens e mulheres do Islão. A interferência, constante, dos principais actores políticos ocidentais deu sempre asneira e prejudicou os moderados em favor dos radicais. Será que já aprendemos a lição da história?

Obviamente, o perigo de um assalto ao poder por parte dos radicais existe mas os jovens e as mulheres que protestam na rua contra a ditadura fazem-no por uma genuína vontade de mudança e um objectivo claro de liberdade e esta adquire-se lutando e perde-se se imposta de fora para dentro.

Egipto, o que se pode passar a seguir?

Dando por quase certa a queda do regime de Mubarak, impõe-se a pergunta: e depois o quê?

Há quem recorde o caso iraniano e tema a implantação de um regime teocrático à imagem de Khomeini. É uma possibilidade e tem que ser considerada. Tal situação, do meu ponto de vista, equivaleria a um retrocesso civilizacional num país (região) que já ensinou História e Civilização ao resto mundo.

Existe ainda como possível – mas com menor probabilidade – a implantação de uma ditadura militar como consequência dos actuais motins. Seria uma releitura do mudar algo para ficar tudo na mesma, prolongando o regime e os interesses instalados até ao seu estertor final, agora de forma mais musculada. Não creio que esta via possa, neste momento, vingar.

Outra hipótese, aquela de que sou partidário, é a mudança de regime e a instauração de uma democracia que respeite os direitos de expressão, culto, associação e voto. Não vou aqui recorrer a ironias sobre a qualidade das democracias actuais, especialmente enquanto morrem pessoas nas ruas do Cairo e de outras cidades. [Read more…]

Eu também sou egípcio

Não sei o que se seguirá no Egipto, destestaria ver um regime fundamentalista religioso suceder ao actual.

Mas hoje sou egípcio. Estou ao lado destas pessoas.

A Reacção Egípcia

Eis o motivo pelo qual não pudemos, nunca, apoiar ditadores, mesmo que sejam os nossos ditadores, o seguinte foi feito um pouco também em nosso nome, vejam por favor ao minuto e dez segundos:

http://www.liveleak.com/e/aaf_1296315210

Destruição de obras de arte


Está confirmado. Tal como como era de prever, a CNN acaba de informar que a multidão atacou o Museu Egípcio no Cairo e destruiu obras de arte. Esta não é uma acção esporádica. A Irmandade Muçulmana vota um profundo desprezo a todo o tipo de arte “não islâmica”, na perfeita consonância com aquilo que os imãs exigem na Europa. Recordam-se dos dinamitados Budas de Bamian, no Afeganistão? Não se admirem se um dia destes virem as múmias dos faraós arrastadas pelas ruas do Cairo e as preciosidades do Antigo Egipto derretidas no cadinho. Qualquer semelhança com a antiga civilização, é uma mera coincidência no espaço territorial. Não tenham qualquer tipo de ilusões. Esta é uma “acção revolucionária” bem organizada e coordenada.

Não se trata de democracia. A sublevação poderá ter-se iniciado devido ao regime repressivo, mas o que aí vem, não é de bom augúrio. Trata-se de mais uma etapa na tomada do poder pelos radicais religiosos em todos os países muçulmanos. Qualquer entusiasmo com “vinte e cinco de Abris” norte-africanos, é apenas ilusionismo ou crendice bacoca.

Irmandades escondidas


Como reagiriam as potências ocidentais, a uma súbita irrupção de violência nas ruas de Lisboa ou de Atenas? Apelariam à contenção das forças de segurança? Declarariam haver “necessidade de reformas”?

Já crepita o fogo por todo o norte de África e no flanco sul da península arábica, o Iémen também entrou na corrente de sublevações que se generalizam. Nem mesmo o regime de Kaddafy parece seguro e apenas são respeitados os Chefes de Estado da Jordânia e do Marrocos, duas monarquias com forte apoio popular, dois países que têm merecido uma grande compreensão da sempre ansiosa diplomacia ocidental. Cremos que o verdadeiro alvo é outro, mais precisamente a Arábia Saudita. A queda do regime de Riade é um velho projecto dos extremistas muçulmanos, sabedores da total dependência europeia e americana, da boa vontade deste regime tacitamente seu aliado. A Irmandade Muçulmana (1) – que possui um programa claro – não deverá ser alheia a estas ocorrências. Há trinta anos caia baleado o general Anwar el-Sadat, vítima da aproximação aos EUA, da paz com Israel e da protecção concedida a outro alvo primordial, o Xá Mohamed Reza Pahlavi. O resultado está à vista e a “Europa” teima em contemporizar, temendo pelos seus negócios e refém dos seus medos. Querendo sempre acreditar em liberdade, os europeus acabam sempre por verificar resignados, a emergência de regimes muito mais repressivos que os derrubados. O júbilo bem depressa dá lugar ao silencioso comprometimento.

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Egipto, Tunísia e Países Árabes: a Revolução Dominó

Depois de fazer tudo o que os tiranos sempre fizeram nestes casos, -a velhinha repressão musculada, detenções arbitárias, etc. – o regime de Hosni Mubarak avançou com as medidas que os tiranos de hoje em dia tomam e cortou o acesso à internet e telemóveis. Mohamed ElBaradei, que regressou ao Cairo e se colocou ao lado dos protestantes, parece estar em prisão domiciliária (segundo a Antena1 há momentos), ao contrário do que afirmam notícias como estas.

As confrontações estendem-se já a várias cidades do país e vão continuar a alastrar. Depois da Tunísia e do Egipto, as manifestações por uma mudança de poder começam a fazer ouvir-se no Iémen e noutros países árabes.

Sem pretender fazer futurologia e sem arriscar prever o que se seguirá ou que tipos de regime surgirão, é certo que a geografia política do Norte de África e Médio Oriente está a mudar nestes dias. Está a fazer-se história nas ruas e assistimos em directo a uma revolução-dominó. [Read more…]

Davos serve-se fria e o Magreb a ferver

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Davos, estância de neve suíça, é outra vez cenário do Fórum Económico Mundial. O acesso de contestatários às proximidades do local é interdito. Um militar de arma alçada é a força dissuasora. Há que proteger banqueiros, empresários e políticos. O ambiente de serena reflexão é imprescindível. Permite a crueldade da continuidade e, de resto, Davos serve-se fria.

Os homens das finanças e dos negócios, em Davos, não dispensam a  participação de políticos. Além de outros, compareceram Merkel, a proprietária do euro, Sarkozy, o presidente mais cabotino da história republicana francesa, e Cameron, um PM britânico gentil e sorridente, ainda que longínquo da capacidade de Blair, no número de sorrisos por segundo. De realçar que Merkel, Sarkozy e Cameron comungam de ideais do neoliberalismo e do nefasto modelo de globalização que arrasa a vida a milhões de seres humanos.  Porém, existe outro fenómeno comum entre eles,  o desemprego; Alemanha, França e Grã-Bretanha orbitam à volta de idêntico número de desempregados:  4.000.000 em cada país. Ainda agora, Sarkozy viu agravar-se a taxa do desemprego. É a Europa no fulgor da desgraça. [Read more…]

Este inverno as revoluções andam pelo sul

egypte_manif_inside Sabe bem o Mediterrâneo a pedir mudança. A Europa mediterrânica está a ficar entalada entre o norte que a empurra para o sul da falência, e o seu sul, o norte de África que descobre que para mudar é preciso vir para a rua. Depois da Tunísia vem o Egipto. Há 2000 anos éramos províncias  do mesmo império.

Onde Manuel José de Jesus é mais famoso que José Mourinho


“De onde és?”. A pergunta, em inglês ou num surpreendente espanhol, era normal. É daquelas interrogações que qualquer turista, visitante ou viajante é contemplado pelos anfitriões no momento do primeiro contacto. “De Portugal.”, respondia. “Portugal…?, Manuel Joséeee”. A reacção era imediata e quase sempre a mesma. Por vezes com algumas variantes, quase tanto como a qualidade do inglês de cada interlocutor, como “Ah, conheces Manuel José. Muito bom treinador”.

De vez em quando, um ou outro avançava com o nome de José Mourinho, o segundo mais citado, Cristiano Ronaldo, o terceiro, e Figo, para os de memória mais longa. Mas Manuel José é que era.

O homem deixou marcas no Al Ahly, clube no qual ganhou três campeonatos do Egipto, quatro Ligas dos Campeões Africanos, duas Supertaças de África e duas Supertaças do Egipto. Também deixou saudades. Os adeptos do mais popular clube do país, cujo nome significa O Nacional, gostavam que voltasse. É certo que o clube continua a dominar no país e voltará a ser campeão este ano, mas os adeptos sentem saudades do bom futebol que a equipa jogava e sobretudo querem regressar aos tempos das quatro finais africanas dos campeões, com três triunfos.
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Israel – os primeiros trinta anos – Vida difícil (Memória descritiva)

Na sequência de outros textos que aqui tenho publicado sobre a fundação do Estado de Israel e a perturbação que provocou na região em que foi implantado pela diplomacia britânica, vou hoje lembrar as primeiras três décadas de vida do estado hebraico. Vida difícil a dos que optaram por viver na «Terra Prometida». E falar dos alvores de Israel, é falar de David Ben Gurion (1886-1973), cuja carreira política se iniciou em 1933, sendo um dos líderes do movimento do Sionismo Trabalhista durante os quinze anos anteriores à criação da nação judaica.

Ao mesmo tempo idealista e pragmático, combateu os britânicos, tendo mesmo, integrado no Irgun de Menachem Begin, participado em actos de terrorismo e em assaltos a bancos,. No entanto, noutra fase da luta, não hesitou em apoiar o exército britânico, enquanto criava estruturas de imigração clandestina, quando os ingleses, pressionados pela comunidade internacional, bloquearam a ida de judeus para Palestina. [Read more…]

Israel – como terá começado o sarilho? (Memória descritiva)

Li há tempos, num suplemento do El País, que os fundamentalistas islâmicos reclamam o Al Andalus como sua velha pátria. Todos sabemos que os Árabes ocuparam grande parte da Península durante mais de sete séculos, criando aqui uma civilização de um grande esplendor. De maneira brilhante, o aventador Frederico Mendes Paula tem falado desse período da nossa história que teimamos em ignorar.

Mas, uma coisa é cometermos o erro de rejeitar, ignorando-o, uma parte do nosso passado histórico, outra coisa é tentar reconstituí-lo. E outra coisa ainda, essa perfeitamente disparatada, seria considerar que o facto de terem ocupado este território durante quase oito séculos confere aos muçulmanos o direito de voltar como seus proprietários.

Porque antes dos Árabes, estiveram os Romanos, e antes destes os Fenícios, os Gregos, os Cartagineses e antes desses… Desgraçados de nós, para onde iríamos? Com tantos senhorios a quem pagar renda, como nos arranjaríamos? Pois, esta situação que aplicada à nossa terra logo vemos ser absurda, passou-se com os Palestinianos. Num livro muito antigo e com o qual eles nada têm a ver, está escrito que ali foi o berço de Israel. E, assim, foram desapossados das suas casas, das suas terras, das suas árvores…

Hoje, o Estado de Israel é um país da Ásia Ocidental situado na margem oriental do Mar Mediterrâneo, com uma área de 20 770 / 22 072 km². As suas fronteiras não fixadas oficialmente, situa o Líbano a Norte, a Síria e a Jordânia a Leste e o Egipto a Sudoeste. A Cisjordânia e a Faixa de Gaza, confinam também com Israel. Tem uma população de cerca de 7,5 milhões de habitantes, dos quais 5,62 milhões são judeus. Dentro do segmento árabe, predominam os muçulmanos, havendo ainda cristãos, drusos, samaritanos e outros. Gostemos ou não, é uma realidade.

O problema judaico tem origens remotas, pré-bíblicas, de que todos já ouvimos falar. Hoje queria apenas lembrar como é que a questão surgiu, no seu formato contemporâneo. O sionismo (palavra com origem em Sion, uma colina da antiga Jerusalém), eclodiu na Europa em meados do século XIX como reacção ao anti-judaísmo que nunca deixou de se verificar. Esta semana, tendo-se comemorado o »Dia do Holocausto», na quarta-feira passada, dia 27 de Janeiro, é uma boa altura para recordarmos como é que este problema se gerou. [Read more…]