Soares e a “marcha pela dignidade”
O post de Ricardo Pinto sobre Mário Soares espevitou os meus anticorpos, e criou um pequeno processo inflamatóro, recidiva de um outro de há uns anos atrás, que fui tentado a repescar:
Por mais voltas que dê, Mário Soares não consegue desfazer o “S” no fim das curvas.
Hoje resolveu falar de Chiapas, para dizer que deve ter sido dos primeiros portugueses a chamar a atenção para Chiapas e para a originalidade da revolta dos índios, liderada pelo sub-comandante Marcos. Mesmo que seja verdade, no que não acredito, o que o Dr. Mário Soares escreveu em 1993 não passou de palavras.
Todos somos fingimento, para descanso dos nossos fantasmas, mas há limites.
Será que Marcos se inspirou em Mário Soares e na sua histórica relação com a reforma agrária no Alentejo?
Chiapas e Alentejo são muito semelhantes no essencial.
Mário Soares lembra-se, sem a simpatia que concede ao EZLN, dos “amanhãs que cantam” e de “a terra a quem a trabalha”, para ele esconjurados cânticos do diabo que procurou exorcisar de todas as formas e feitios. O resultado aí está, o Alentejo seco e morto, o Alentejo da fome, do abandono, do desepero, da solidão e das lágrimas. O Alentejo dos valorosos inimigos da Reforma Agrária, que Soares encabeçou quando ainda não pensava conceder a Marcos “a activa simpatia, para não dizer solidariedade, de personalidades progressistas do mundo inteiro”. O Alentejo das coutadas e de todos os que mentem o negro da fome com as cores da pompa. O Alentejo – Chiapas de todos os hipócritas.
Hoje já não se ergue no ar o alarido da Reforma Agrária, e fica bem a solidariedade com o mítico comandante.
O Alentejo ou o México dos 50 milhões de pobres são irmãos.
O holocausto do mundo de hoje, a que assistimos sentados nesta vergonhosa plateia, deve-se aos mesmos vampiros de sempre, que crucificaram a Africa, sugaram a América Latina, humilharam o Alentejo e escravizaram Chiapas, gerando fortunas absurdas, fabricando tiranos e armando poderosos exércitos. De uma forma ou de outra, não parece assim tão distante a compreensão ou o silêncio de Soares.
Os Alentejos e Chiapas da escravatura não nasceram da indolência nem da falta de empreendimento dos povos que trabalham, tantas vezes em troca de pão. Os Alentejos e Chiapas da opressão não foram criados por um povo que vive as leis da fraternidade e da justiça. Os Alentejos e Chiapas da fome não se devem à esperança de trigo para toda uma nação, água para todas as terras e pão para todas as bocas.
Soares ajudou a que o Alentejo de hoje já não caiba na letra dos amanhãs que cantam.
Se uma canção parece nascer lá para o Alentejo de Chiapas, não é Mário Soares quem tem voz para a cantar.

(adão cruz)
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