O riso de Louçã e o histrionismo da direita

Na sua rubrica semanal da Sic Notícias, Francisco Louçã troçou de Aline Hall de Beuvink, a propósito de umas declarações proferidas quando era deputada à Assembleia Municipal de Lisboa, em 2019. Na ocasião, Aline Hall relacionou o mito de que os comunistas comem criancinhas com o Holodomor, o que é, no mínimo, discutível.

Francisco Louçã esteve muito mal ao transformar este episódio numa afirmação de que o canibalismo infantil dos comunistas era uma realidade: Aline Hall foi muito clara ao classificar isso como um “mito”. Louçã terá querido ridicularizar uma pessoa de direita, mas foi, no mínimo, descortês, distorceu, de modo desonesto, um enunciado claro e portou-se como outros que quiseram transformar a metáfora de Mamadou Ba num discurso de ódio. Ficaria bem a Louçã pedir desculpa, mas temo (e lamento) que isso nem lhe passe pela cabeça.

A direita, no entanto, incluindo a pessoa visada, quis transformar a troça de Louçã numa ridicularização ou mesmo negação do Holodomor, o que não corresponde à verdade. Há, contudo, para isso, razões que a razão desconhece: o ódio cego à esquerda que provoca descargas de adrenalina e de consequente tresleitura ou a mais absoluta desonestidade, aliados a um forte desejo de criar falsas equivalências entre ideologias com base na prática. Histrionismo – palhaçada, para os amigos.

Isto sim, tresanda a estalinismo e fascismo por todos os lados

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Imagem: Fernando Pessoa – Heterónimo, 1978, óleo sobre tela de António Costa Pinheiro

Vivem-se tempos de polarização, de radicalizações mil, marcados pelo regresso de fantasmas de outros tempos, que procuram usar a democracia e a liberdade de expressão na tentativa de as suprimir.

Fruto deste extremar de posições, que alimenta discursos cada vez mais carregados de ódio e ignorância, termos como “fascista” ou “estalinista” são usados e abusados, e servem hoje para tudo e mais alguma coisa. O governo português, por exemplo, é estalinista. Os conservadores, por seu lado, são fascistas. Hitler, segundo algumas almas perdidas que deambulam pelas redes sociais (e em alguns projectos políticos travestidos de jornais), era socialista, porque o nome do seu partido incluía o termo. Qualquer dia, ainda nos tentam convencer que a República Popular Democrática da Coreia do Norte é uma democracia. [Read more…]

O estalinista, totalitário, e o fascista dentro do armário

Passei pela Geringonça e trouxe emprestada mais esta bela composição do Luís Vargas, que tendo já um mês de vida continua actual, porque vem precisamente a propósito de um dos grandes flagelos que o nosso país enfrenta, que é a sua estalinização e a instauração em curso de um regime totalitário, que teve início em Novembro de 2015.

Felizmente, e ao contrário daquilo que pretendem alguns messias do fundamentalismo evangélico-militar, este poderoso rolo compressor será sujeito a sufrágio dentro de um ano, altura em que as forças democráticas portuguesas, ou o que resta delas, terão a oportunidade de apear os perigosos comunistas que se apoderaram da nação. [Read more…]

Este país não é para democratas

Ainda sou do tempo em que jornais livres e imparciais dedicavam grande parte das suas páginas virtuais a alertar os portugueses para o perigo da ameaça estalinista que pairava sobre o nosso país. Do tempo em que o Diabo havia de subir à Terra, só não se sabia bem quando. E ninguém lhes prestou atenção, como as sondagens (manipuladas, claro) iam mostrando.

Três anos e vários apocalipses depois, já com a população portuguesa reduzida a metade, na sequência das grandes purgas comunistas que vitimaram conservadores, liberais, membros do clero, proprietários de colégios privados, dirigentes da CIP e cronistas do Observador, a catástrofe é visível. A fome e o desemprego proliferam, a polícia política encarcera todos os Camilos Lourenços que apanha e os impostos levam cerca de 90% dos rendimentos dos portugueses, que fazem fila à porta do supermercado para comprar um quilo de arroz por valores exorbitantes.  [Read more…]

Pílula (ou supositório) para a memória

Estaline

Estreou ontem na RTBF dividido em três episódios: 1) “Le Possédé“; 2) “L’Homme Rouge“; 3) “Le Maître du Monde“. Mantém-se a qualidade da série Apocalypse, da autoria de Isabelle Clarke et Daniel Costelle, sempre comentado por Mathieu Kassovitz.
Mais uma excelente pílula (ou supositório para outras visões políticas) para a memória.

O revolucionário do sofá

estaline mao

O revolucionário do sofá, tal como o treinador, está sempre disponível para analisar a vida política em qualquer parte do planeta. Não faz a mínima ideia do que está em campo, mas vaticina que esquerda no poder não é esquerda a menos que tenha lá chegado à porrada, e que as forças verdadeiramente revolucionárias estão concentradas naquele enorme partido de vanguarda que obteve zero vírgula qualquer coisa por cento de votos.

Para o revolucionário de sofá contemporâneo todos os males do mundo começaram com a morte de Estaline e continuaram com a de Mao. Fanático religioso, incapaz de entender Marx mas pronto a declamar as suas obras completas, só compreende a história com profetas, santos, heróis, gajos que fizeram tudo sozinhos mesmo que contra o seu povo e massacrando o seu povo, começando logo pelos comunistas que se opunham à ditadura unipessoal que instalaram. Depois caiu a URSS, fruto de uma tenebrosa conspiração internacional, a que escapa o detalhe de os povos por aqueles lados do mundo nem numa gaveta encontrarem o socialismo. Mentalmente estão ao nível infantil de quem acredita que o Muro de Berlim foi construído para evitar uma invasão pelos berlinenses de Oeste, malta desesperada e com a ideia fixa de ir viver para o outro lado.

A carreira de revolucionário de sofá é prometedora: pensemos num Barroso, num Fernandes ou num Espada, mas ele sabe que antes de dar o salto tem de demonstrar as suas capacidades. [Read more…]

A máquina do tempo: vitória do Grande Irmão e triunfo dos porcos (da distopia ficcional ao lixo televisivo)

A expressão «Grande Irmão», «Big Brother», apareceu no romance distópico de George Orwell «1984». O palavrão «distópico», significa o inverso de «utópico» (peço desculpa a quem sabia).  Publicado em 1949, aludia ao perigo de um regime totalitário ao serviço de uma oligarquia assumir o controlo de uma vasta região do planeta. George Orwell foi o pseudónimo do escritor britânico Eric Arthur Blair (1903-1950). A inspiração, tê-la-á ido buscar às ditaduras que soçobraram com a II Guerra, a alemã e a italiana, e a outra que lhe sobreviveu – a estalinista. Orwell não era um homem de direita. Ligado ao POUM – Partido Obrero de Unificación Marxista, movimento trotskista – combateu em Espanha, em Huesca, na Frente de Aragão, contra as tropas fascistas de Franco e foi ferido. Baseado nessa experiência, escreveu «Homenagem à Catalunha» («Homage to Catalonia», 1938).

 

Além destes dois livros, Orwell escreveu outros, nomeadamente «Animal Farm» (1945), uma clara sátira ao estalinismo que na edição portuguesa recebeu o título de «O Triunfo dos Porcos». É deste livro a célebre frase «todos os animais são iguais; mas alguns são mais iguais do que outros».

 

 

 

 

«Nineteen Eighty-Four» relata a história de Wiston Smith, que, aliás, é o narrador, cidadão anónimo de um estado totalitário, onde se pratica a repressão a todos os níveis. Smith trabalha na propaganda do estado, na falsificação dos documentos históricos – incluindo os jornais – à medida das conveniências, a história é diariamente emendada – tudo o que no passado contraria o presente, é refeito. Pessoas que caem em desgraça são suprimidas da história, para os «heróis» da altura, criam-se currículos gloriosos, fotografias são manipuladas – só existe uma verdade, a verdade do «Grande Irmão».

 

Como os jornais e os livros só podem ser consultados na teletela (monitores de função dupla que mostram e captam imagens), os cidadãos sabem que a «verdade» é o que, no momento, a teletela lhes afirmar. Ao mesmo tempo, as teletelas que existem por todo o lado, no trabalho, nas ruas, nas casas, vigiam todos os gestos dos cidadãos.

 

O «Grande Irmão», rosto fictício do regime oligárquico, aparece frequentemente a dar as suas directivas: «guerra é paz», «ignorância é força», «liberdade é escravidão», são algumas dessas consignas. Ao denunciar o perigo dos totalitarismos, o livro é também uma história de amor. De luta do amor contra a tirania, no espírito de poemas que aqui já recordei – «Notícias do bloqueio», de Egito Gonçalves, e «A Invenção do amor», de Daniel Filipe.

 

Socialista democrático, Orwell esclareceu que o romance não foi, como se disse na Inglaterra daqueles anos do pós-guerra) concebido como um ataque ao socialismo ou ao Partido Trabalhista, mas sim como uma denúncia das perversões dos ideais colectivistas, das políticas de massas, como o fascismo e o estalinismo. Significativamente, o livro foi proibido na União Soviética e nos outros estados de Leste.

 

Como é que um livro tão belo e de uma concepção tão elevada aparece ligado a um programa de televisão de nível tão rasteiro, a um reality show tão grosseiro como o «Big Brother»? O holandês John de Moll, pegando na expressão e na ideia básica de um olho omnipresente que tudo vigia e controla, concebeu o programa. Midas tudo o que tocava se convertia em ouro. O capitalismo, tudo o que toca, transforma-se em excremento. O negócio não respeita nada a não ser a percentagem de lucro que vai obter.

 

Já aqui tenho falado da profecia de Marlon Brando que, numa das suas últimas entrevistas, falando dos reality shows, dizia que não faltava muito para que as pessoas viessem defecar diante das câmaras para incrementar as audiências. E, já agora deitemos uma olhadela à «casa» do «Grande Fratello». Um concorrente ameaça cumprir a profecia de Marlon Brando, defecando à vista das câmaras, é eloquente quanto ao elevado nível cultural do programa. Reparem no vídeo sobre o «Grande Fratello» italiano:

 

 

 

 

«Mauro agride Verónica» (…) «Noite de violência no Grande Fratello. E, seguramente, uma expulsão em perspectiva» (…) «Esta noite na Casa verificaram-se episódios totalmente incorrectos e contrários às normas, não só do Grande Fratello, como também da convivência social». São notícias de jornais italianos da semana passada. Lembram-se da agressão do Marco à Sónia? Não que eu tenha a mania das teorias da conspiração, mas não é curioso que em Itália, anos depois se passe exactamente o mesmo que em Portugal? No «Gran Hermano», aqui ao lado, também houve bronca a semana passada. Vejamos o vídeo do «Gran Hermano» da Telecinco espanhola:

 

Dizem os jornais: «Expulsa outra concorrente do «Gran Hermano» após uma zaragata com uma companheira: Indhira não controlou os seus impulsos e agrediu e insultou Carol».(…)«Pela segunda vez esta edição, um concorrente de «Gran Hermano» foi expulso de modo disciplinar após forte zaragata com um dos seus companheiros. Neste caso, foi a malaguenha Indhira que não pôde controlar os seus impulsos durante uma discussão com Carol, acabou por a agredir e insultar».

 

Anuncia-se uma nova série do «Big Brother» em Portugal. O modelo parecia esgotado, mas os crânios da TVI vão tentar insuflar-lhe nova vida. Porque, mundo fora, a droga holandesa da Endemol, vai vingando. Para os que acham que somos particularmente estúpidos e se autoflagelam com acusações aos portugueses, deixo mais um exemplo. Espreitemos o «Big Brother brasile
ir
o. O nível cultural dos participantes não fica nada a dever ao dos programas europeus. 

 

E, já agora, recordemos este momento de ouro da televisão nacional – o pontapé de Marco a Sónia:

 

Há aqui um padrão que se repete. Será que, pessoas de nível cultural básico, tal como os ratos de laboratório, quando enjauladas começam a ter um comportamento agressivo? Ou será que faz parte do guião do programa apimentá-lo com estas cenas deploráveis que, nesse caso, seriam preparadas? Seja como for, no meio de tanta porcaria, esse pormenor desonesto seria irrelevante. A questão que levanto é: por que razão gostam as pessoas de ver estas coisas?

 

Em 1984, o mundo não estava dominado por uma oligarquia como a que George Orwell previa na sua distopia ficcional. Porém 25 anos depois de 1984, temos uma oligarquia que se permite difundir à escala global uma cultura de destruição da cultura, de abolição do respeito que as pessoas a si próprias devem. Porque, derrubadas essas defesas, as pessoas ficam à mercê das diferentes formas de marketing que constituem uma arma mais poderosa do que cem bombas nucleares.

 

Mussolini, Hitler, Estaline, Franco. Salazar, Pinochet, não compreenderam a natureza humana. Acreditando na sua decência, criaram, para destruir pelo terror uma decência que podia ter sido aniquilada de forma menos traumática. Para quê aqueles horríveis aparelhos repressivos com tão mau aspecto – cárceres, torturas, campos de concentração…

 

Para quê um regime fascista, se cada ser humano, devidamente estimulado, destrói voluntariamente as defesas imunitárias do decoro e do auto-respeito? Se por dinheiro, tudo se faz? Para quê tropas na rua, polícias espiando, se a maioria das pessoas está disposta a destruir os princípios básicos da cidadania e a descer ao grau mais básico da escala comportamental. A troco de uns euros ou de uns dólares, séculos de civilização desaparecem. Sem violência visível, sem gastar dinheiro num aparelho policial e repressivo, o Grande Irmão triunfou.

 

É também o triunfo dos porcos.