AS QUESTÕES ÉTICAS NOS CUIDADOS DE SAÚDE (4)

AS QUESTÕES ÉTICAS NOS CUIDADOS DE SAÚDE (4)

Como já referi noutro post, o consumo exagerado e indiscriminado de medicamentos é hoje um problema, não só nacional como internacional. Interesses industriais e comerciais convenceram as pessoas de que a saúde se encontra exclusivamente metida em caixinhas e frasquinhos, originando uma autêntica obsessão pelos remédios, não só por parte dos doentes mas também dos médicos. Todos sabemos que há medicamentos úteis, muito úteis e indispensáveis, alguns quase “milagrosos”. Mas há outros que são inúteis, por vezes prejudiciais, potencialmente perigosos. Mas… potencialmente mais perigosos do que os remédios inúteis são, tantas vezes, os bons remédios, os remédios eficazes, quando prescritos por rotina, sem precisão diagnóstica ou terapêutica, com desconhecimento das verdadeiras indicações e dos efeitos adversos, das contra-indicações e das interacções medicamentosas. A nossa experiência tem-nos demonstrado que as receitas “à balda”, sem critério nem critérios, feitas de forma inconsciente, são responsáveis por frequentes e temíveis consequências, constituindo actos que, muitas vezes, deveriam pertencer à esfera do crime. Até o próprio doente já se apercebe facilmente dos nossos erros, das nossas insuficiências, das nossas incompetências e das nossas incapacidades.
Por outro lado, a nossa sociedade vive triturada por uma poderosíssima máquina de “mentir a verdade”. Muitas são as peças desta máquina de mentir a verdade, em todas as áreas, muitas são as injecções deste “soro universal da mentira” que cada vez mais nos induz a “precisar” da medicina, dentro de um escandaloso movimento de mercado que não olha a meios para criar a riqueza de alguns à custa da pobreza de muitos. Na ânsia desmedida do lucro, há uma imposição da “criação de saúde”, “saúde” vendida na escamoteação dos princípios e das consequências, na penumbra das consciências, fortemente sustentada no privilégio que o beneplácito público oferece à coligação de interesses que funde a medicina com a indústria.
Em particular, como também já o disse, o consumo dos remédios pelo paciente idoso é um problema actual e de importância crescente. Intencionalmente foi-se criando a ideia de que a terceira idade, essa idade que nos passa diariamente pelas mãos, é uma doença, o que não é totalmente verdade. A terceira idade é uma fase da vida carecendo de atenção específica e de cuidados sociais, humanos e diferenciados. Não pode, de forma alguma, ser uma mina a explorar pelos vendedores de falsa saúde. O coração dos oitenta não é, tantas vezes, um coração doente e não precisa de quaisquer remédios. Estes, quando prescritos inadvertidamente, podem acabar com ele, dado que a tolerância, a capacidade de adaptação e as margens de manobra e segurança são muito inferiores às de um coração jovem. Não se respeitam, muitas vezes, as regras básicas da farmacologia clínica, nem se tem em linha de conta a co-morbilidade e as alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas próprias do idoso. Há lesões cardíacas que, a despeito de serem irreversíveis, não alteram fundamentalmente o funcionamento do coração e não são modificáveis por qualquer medicamento. Não passa de perigosa fantasia convencer a pessoa a tratar o que não é tratável, fazendo-a correr riscos sem qualquer contrapartida. O saco de remédios, a receita sem observação cuidada e sem avaliação responsável do paciente, é um frequentíssimo hábito lamentavelmente institucionalizado. Isto é válido para todas as áreas da medicina. (Continua).

             (adao cruz)

(adao cruz)

Comments

  1. VidentedaCousa says:

    Tens toda a razão. Todos sabemos que existe uma indústria chamada “papa-reformas” que tira o pouco que têm de dinheiro os idosos a troco das caixinhas de medicamentos num saco plástico. Vivem bem as farmácias e tudo o que anda à volta. Não seria melhor os idosos, conscientemente, gastarem esses mesmos recursos a viver bem a vida que lhes resta? Fazendo algumas coisas que nunca puderam e a ir onde gostariam de ter ido enquanto mais jovens?Ok, descurava-se um pouco o adiar da coisa mas que se lixe, quando vier que venha!

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