é uma tarde de verão de um dia de Maio; a Guarda Nacional Republicana, quase centenária como a república nacional, tem um brigada junto a uma rotunda, junto à linha do comboio. Passam carros, os agentes bem fardados levantam a mão, param os carros. Boa tarde, senhor condutor, os seus documentos e os documentos da viatura, se faz favor, com certeza, senhor guarda. Os meus documentos, os documentos deste veículo. O senhor onde mora? Moro ali. A sua carta de condução não condiz com o seu bilhete de identidade. Senhor guarda, eu sou um cidadão do mundo, tanto moro aqui como moro na casa do meu pai ou noutro sítio qualquer, sou um cidadão do mundo. Não é nada, só há um domicílio. Tem três dias para apresentar a carta rectificada. Remeto-me ao meu novo estatuto de não-cidadão do mundo e preparo-me mentalmente para o processo de ter um domicílio, só um. Ao lado, a um condutor faltava comprovativo do seguro automóvel, vou ter que o autuar, mas oh senhor guarda, eu tenho os papéis em casa, vou ter que o autuar, estou aqui para trabalhar. Nós agora somos avaliados pelo número de multa que passamos. Fez-se luz na minha cabeça: a polícia da república agora trabalha à comissão, quais vendedores de sapatos (com o devido respeito). Faço um esforço e tento imaginar quantos países da África Negra pagam os seus agentes da lei com base na quantidade e qualidade das multas. É isto a República?
* qualquer coincidência com a realidade é verdade. Sim, eu sei, o MAI apressar-se-á, novamente, a desmentir categoricamente a mercantilização das polícias.
Bahh! Qual é o mal? O guarda estava a actuar à margem da Lei? O número de multas passadas e não contestadas é sem dúvida uma boa medida de performance. Mas esse nem sequer é o problema.
Os policias devem multar sempre que encontrem alguma situação em que legalmente o possam fazer – penso até que têm a obrigação de o fazer. Não creio que os polícias devam ser juízes (decidindo o que devem ou não multar), ou professores (quando tentam, quase invariavelmente sem sucesso ser “pedagógicos”), ou outra coisa qualquer – são polícias.
Penso até que o processo de multar deveria ser mais expedito, por exemplo para carros mal estacionados deveria ser apenas necessária uma foto digital. O processamento das multas deveria ser feito em massa e eficientemente de forma implacável. Deveriam estar instituídos métodos que garantam o pagamento das multas (por exemplo com uma conta bancária associada à carta, ou de outra forma qualquer).
Se não concordamos com as leis ou regulamentos, então está claro o que deve ser mudado.
/Helder