Dias tristes

(pormenor - adao cruz)

“Mais de 100 mil pessoas foram à Praça de São Pedro neste domingo para uma importante demonstração de apoio ao papa Bento XVI sobre o escândalo de abusos sexuais cometidos por clérigos. Bento XVI disse que ficou confortado pela “bela e espontânea demonstração de fé e solidariedade” e novamente denunciou o que chamou de “pecado” que infectou a Igreja e a necessidade de purificação”.

O escândalo internacional que hoje atinge a Igreja Católica advém de provas irrefutáveis de dezenas de milhares de casos de violações infantis e maus-tratos sexuais cometidos por milhares de sacerdotes. As queixas aconteceram ao longo de décadas, e acontecem hoje, surgindo inicialmente nas cidades que albergavam os crentes mais devotos dos EUA. Daí passaram à Irlanda, Itália e Alemanha com grandes populações católicas, e atravessaram continentes. O que perturba é que o actual papa Bento XVI, que na sexta-feira deixou Portugal com cara de santo, foi durante décadas responsável pessoal pela ocultação e encobrimento dos predadores sexuais, cujas vítimas eram crianças violadas em hospícios, reformatórios, escolas para surdos-mudos e deficientes, escolas paroquiais locais e igrejas. Com as suas  mentirosas prédicas Bento XVI procura sacudir as imensas responsabilidades que tem sobre os ombros, por ter protegido durante longos anos os sacerdotes que abusaram pessoalmente de milhares de crianças confiadas à responsabilidade da Igreja.

Durante 24 anos, Ratzinger presidiu à instituição mais poderosa e mais repressiva da Igreja Católica, a Congregação para a Doutrina da Fé, entidade que durante séculos tinha sido conhecida como o Santo Ofício da Inquisição. Diz o teólogo Hans Kung que não havia uma só pessoa em toda a Igreja Católica que soubesse de mais casos de abusos sexuais do que ele, visto que tais casos faziam parte do seu trabalho diário.

Como diz Sara Flounders, logo que as vítimas sobreviventes começaram a falar, os sacerdotes que se colocaram ao seu lado foram silenciados e excluídos do ensino ou de posições de poder. O branqueamento que hoje pretendem fazer de Ratzinger, dizendo que foi no seu pontificado e por sua iniciativa que as coisas começaram a vir à tona não passa de uma falsidade. Os casos começaram a surgir, porque a hierarquia, constituída por um grupo que detém o poder absoluto na autoridade religiosa, e dentro do qual Ratzinger sempre foi um cabecilha, não conseguiu silenciar ou deter este movimento. Se tivesse conseguido, tudo continuaria no segredo dos deuses, e Ratzinger manter-se-ia caladinho como um rato. Pode dizer-se que as denúncias não surgiram do exterior ou das autoridades laicas, receosas de ofender uma instituição tão poderosa, mas sim de indivíduos católicos sem qualquer poder no interior da Igreja que recusaram continuar silenciosos. Apresentaram queixas, fizeram declarações e queixas judiciais. Este desafio contra o secretismo e a repressão é uma clara ruptura com o passado. Os maus-tratos sexuais permaneceram impunes porque as autoridades religiosas eram impunes.

Por isso, os dias do papa, no país, foram tristes dias para muita gente.

Comments

  1. Força Emergente says:

    Obrigado pela excelência dos conteúdos informativos que continua a produzir.
    De facto, tudo isto obriga a que ponhamos um grande ponto de interrogação sobre a capacidade de descernimento de parte considerável destas massas humanas que a troco de uma possivel benesse se esquecem de crimes hediondos que são cometidos por aqueles que se apresentam como paladinos da verdade e das virtudes.
    Triste também é o facto de serem estes mesmos homens que sustentam e suportam governos como aqueles que temos tido no nosso País. Sempre ao serviço da Pátria e de Deus.
    Para nós até servia que fosse apenas ao serviço da Nação. Ou do País, como quiserem.

  2. maria monteiro says:

    “Mais de 100 mil pessoas …” honestamente, não me parece que alguém no seu perfeito juízo vá ser solidário com pedófilos, encobridores de pedófilos.

    Graças a Deus! que apresentaram queixas, fizeram declarações e queixas judiciais, caso contrario continuava tudo no segredo dos deuses.

  3. maria monteiro says:

    Sondagem do Jornal La Repubblica e hoje artigo no DN
    confiança dos italianos na Igreja: 62,7% (2003) vs 47,2€ (actualmente)
    popularidade do Papa: 77,2% (2003) vs 46,6€ (actualmente)