A natureza dos laços que nos prendem aos outros pode ser estranha. Eu tive, durante anos, uma relação com uma família que mal conhecia, mas a quem me prendia uma circunstância invulgar: tinha sido o meu pai a assistir à morte súbita do pai deles e a fechar os olhos do cadáver. Foi uma cena que assombrou a minha infância e que eu imaginei e reeimaginei vezes sem conta. Um homem que o meu pai conhecia de vista, porque morava próximo, caminha frente a ele. É de manhã cedo, há pouca gente nas ruas. O homem cai, um corpo desamparado no chão. O meu pai corre para ele. O homem não tem pulso nem respira. O meu pai chama alguém (que estava à janela?) e pede-lhe que ligue para o então 115. Pouco depois – quanto tempo? – reconhece que nada mais pode fazer e desliza a mão, imagino que a direita, suavemente pelo rosto do homem, para fechar-lhe os olhos.
A família do morto passou a tratar o meu pai com alguma deferência, o que muito me espantou porque, afinal, ele não tinha conseguido evitar-lhe a morte súbita. Fechar os olhos parecia-me tão pouco. É verdade que tinha acompanhado o homem nesses minutos finais, mas já o tinha encontrado morto, pelo que tampouco teria sido um verdadeiro conforto. É provável que o homem já estivesse morto quando o corpo embateu no chão. [Read more…]
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