Restauração desta espécie de Independência

Transportado para os dias de hoje, o reino de Espanha era a nossa Rússia e achava-se no direito de nos ocupar. Com a diferença que ocupou. Aturamos os gajos 60 anos, até que as elites se fartaram deles – para o povo, sempre escravo, pouca diferença fazia se o chicote era português ou castelhano – e atiraram o traidor Vasconcelos pela janela, o que teve a vantagem, entre outras, de popularizar o termo “defenestrar”, que é uma bela palavra. E pumba, voltamos a ser independentes para, quatro séculos depois, sermos uma colónia da UE, da NATO, do BCE, do FMI, do PS, do PSD, da Opus Dei, da maçonaria e de resmas de oligarcas com vistos gold. Mas os espanhóis, esses, não passaram nem passarão. Há que manter os mínimos.

Defenestrem-se os Vasconcelos! Viva a Restauração!

Passaram 381 anos desde que atiramos o Vasconcelos pela janela e começamos a chutar os espanhóis para o lado deles da fronteira. E nada contra os espanhóis, que tenho lá bons amigos, tudo gente do melhor que há. Mas Portugal não é Espanha e nós já não temos idade – já não tínhamos, em 1640 – para brincar às anexações. Muito menos para ser anexados.

Por falar em anexações, quem volta e meia brinca com o tema é o partido neofranquista Vox. Ainda há dias voltaram a fazer um daqueles mapas, inspirados no período cujo o fim celebramos hoje, onde Portugal surgia como um território sob domínio da coroa espanhola. Bourbons por Bourbons, prefiro os de Linhaça. Mas, se quiserem, podem anexar André Ventura, que para autoproclamado nacionalista e defensor da pátria, executa um “Viva a Espanha” bastante convicto. E suspeito.

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Pedro Marques Lopes explica

o mais recente tiro no pé do PSD.

A demência

A líder do CDS Assunção Cristas estava na tribuna, mas da direção social-democrata nem sombra. E assim o puxão de orelhas do Presidente da República só terá chegado a Passos Coelho pelas notícias do dia.

Na evocação da Restauração da Independência, data que ontem se assinalou, Marcelo Rebelo de Sousa foi assertivo ao sublinhar que o 1.º de Dezembro é um “feriado que nunca devia ter sido suspenso”, por ser a data que em que se celebra e se celebrará “sempre” a “nossa pátria e a nossa independência”.

Palavras que ninguém do PSD ouviu no local, porque, segundo referiu fonte do partido ao DN, a cerimónia de Lisboa não era oficial. Tendo chegado ao partido – que “esteve representado em várias iniciativas que ocorreram pelo país, com deputados, autarcas e dirigentes do partido” – um convite da Sociedade Histórica da Independência de Portugal que “no mínimo, não passava de uma provocação”, justifica a mesma fonte. [DN]

Isto é no gozo ou é para levar a sério? Uma cerimónia com o Presidente, Governo e demais representantes do Estado não é oficial? Ou é uma nova variação da tese da usurpação?

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Restauração

«E um governo de esquerda a tomar posse no dia 1 de Dezembro, novamente feriado? O dia da Restauração ganhava um novo significado.»
[No vazio da onda]

Ribeiro e Castro parte louça no Caldas


Não andarão a precisar de fosfoglutina lá pelo do Largo do Caldas? O Sr. Diogo Feio está irritado, dizendo que Ribeiro e Castro vota ao lado do sinapismo Louçã e de Jerónimo de Sousa. Em suma, faz de conta não perceber o porquê da posição do colega de bancada. A verdade é que toda a questão anda em torno da escabrosa eliminação do feriado do 1º de Dezembro e isto, com o formal apoio de um Partido maioritariamente composto por monárquicos. Bem pode a direcção Paulo Portas tentar passar entre os pingos da chuva, mas esta é a verdade. Se duvidam, auscultem as bases do Partido e verão. O Público também diz que que uma fonte próxima de Paulo Portas garante que …”Ribeiro e Castro ficará a falar sozinho”. Não estão a ver bem o problema, pois no Parlamento existem muitos outros deputados de outros Partidos que ainda não obedecem a esta nova roupagem de “centralismo democrático” do PC(DS). Ribeiro e Castro não vacilará e sugere um veto de Belém. Duvidamos muito do interesse que ACS poderá manifestar quanto a este assunto, mas um veto pode acontecer, ou melhor, deveria forçosamente acontecer. O deputado também poderia ir mais longe – e provocar ainda mais banzé -, propondo trocar a abolição do feriado do 1º de Dezembro – uma data de facto histórica -, pelo vaudeville oitocentista do 10 de Junho, uma invencionisse consagrada por uns tantos berreiros em 1880 e habilmente aproveitada pela República de Salazar.

Uma vez mais, vamos direitos ao assunto: esta eliminação de feriados nada mais é, senão um esfarrapado recurso que obrigará a mais uns quatro dias de trabalho grátis. Como se a esmagadora maioria da “iniciativa privada” que medra à conta do Estado, merecesse a mínima consideração. Ora toma!

Claro que é para roubar!


Bem podem desfazer-se em explicações que não convencem nem o mais seráfico “menino Jesus”. A abolição dos feriados trata-se simplesmente de um descarado saque, obrigando os assalariados ao trabalho gratuito em quatro datas tradicionalmente votadas ao lazer que como se sabe, nunca foi nem é sinónimo de preguiça.
Esta manhã, o alegadamente irmãozinho de causas turvas Magalhães, teve a ousadia de sugerir a demissão de Ribeiro e Castro, o único deputado que mostrou não ser mais um invertebrado naquela mole de holotúrias parlamentares.
O dia esteve em grande, pois ao insulto da abolição do 1º de Dezembro, acrescentou-se o descarado assalto com a chancela B(uíça)PN. Corja!
* Imagem: no Brasil e ao contrário daquilo que se passa em Portugal, as Forças Armadas cultivam a memória da nossa História comum.

O Governo Decidiu Acabar com os Feriados do 5 de Outubro e do 1 de Dezembro

ELIMINAR ESTES FERIADOS É ACABAR COM A IDENTIDADE DO NOSSO PAÍS
Nunca ninguém, nem mesmo os responsáveis do anterior regime, o Estado Novo, vulgo fascismo, se atreveram a mexer nestes dias muito importantes para a nossa identidade.
A relembrar:
5 de Outubro 1143 – Assinatura do Tratado de Zamora, onde Portugal foi reconhecido como País.
1 de Dezembro 1640 – Restauração da Independência de Portugal, acabando com a dominação espanhola.
Será esta decisão um percursor de uma eventual perda da nossa independência?
Aqui temos mais uma decisão controversa deste nosso governo que como é evidente não deveremos apoiar.

Se perdermos a independência, para quê comemorar a sua restauração?

fim da independência

Realmente, faz sentido.

As heroínas do Chile: Javiera Carrera

javiera Carrera

Javiera Carrera aos seus 19 anos, pintura al óelo de Bejamin Subercaseaux

Foi apenas na Primeira Grande Guerra de Europa, a data em que as mulheres começaram a aparecer nos campos de batalha O seu papel era de enfermeiras. A britânica Florence Nightingale, solicitou licença ao seu Governo para levar um grupo de aguerridas mulheres para curar feridos no campo de combate na guerra de Crimea. Florence Nightingale (Florença, 12 de Maio de 1820Londres, 13 de Agosto de 1910) foi uma enfermeira britânica que ficou famosa por ser pioneira no tratamento a feridos de guerra, durante a Guerra da Criméia. Ficou conhecida na história pelo apelido de “A dama da lâmpada“, pelo facto de servir-se deste instrumento para auxiliar na iluminação ao auxiliar os feridos durante a noite. Sua contribuição na Enfermagem, sendo pioneira na utilização do Modelo biomédico, baseando-se na medicina praticada pelos médicos. Também contribuiu no campo da Estatística, sendo pioneira na utilização de métodos de representação visual de informações, como por exemplo gráfico sectorial (habitualmente conhecido como gráfico do tipo “pizza”) criado inicialmente por William Playfair[Read more…]

levanta-te e anda, 25 de Abril

LEVANTA-TE E ANDA, 25 DE ABRIL 

Para os cidadãos lusos, pais das crianças, que hoje vivem a nova História de Portugal.

Houve o tempo em que Portugal era uma eterna tirania. Não apenas nos tempos do ditador dos começos do Século XX, 1928 até ao 25 de Abril de 1974.
Antes, as primeiras repúblicas não se sabiam governar, era uma nova experiência ter um Presidente da República e não um rei, Dom Carlos de Bragança que fora morto com o Príncipe Real, herdeiro da coroa, Luís Filipe.
Portugal passou a ser um país sem monarquia a partir do dia em que o outro filho varão de Carlos I, Dom Manuel, que passou a ser Manuel II, assumiu a coroa. Era novo, não estava preparado para governar, era quase um Menino.

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Corrida pela Libertação

O Dia da Libertação

Ele há-de vir (pode é já ser tarde).
*sim, o desenho fui eu que fiz.

A Restauração de 1640, Rafael Valladares e a revista Clio

 

 

 

Os historiadores espanhóis manifestam intermitentemente, algum interesse quanto ao relacionamento que o seu país manteve ao longo dos séculos, com Portugal.

1640, é sem dúvida, a data chave convencionada além Guadiana, que marca indelevelmente o declínio do poderio mundial espanhol.

Se a revolta catalã mereceu – dada a proximidade territorial com a França – uma rápida reacção militar e se integrou no conflito espano-francês a decorrer no âmbito da Guerra dos Trinta Anos, a independência portuguesa era de difícil resolução, embora os estudiosos espanhóis ainda a encarem depreciativamente como um mero conflito entre a alta nobreza conservadora e o governo centralizador de Madrid.

O artigo descreve sucinta e cronologicamente os factos ocorridos, embora a interpretação dos mesmos, peque da habitual parcialidade, omissões várias e alguns erros de alguma importância. Assim, é decerto por mero desconhecimento, que o autor apresenta Filipe II como o herdeiro natural e …"el mejor situado en cuanto a parentesco"… para assumir a coroa vacante em 1580. O argumento utilizado, pode de facto, ser aplicável ao Prior do Crato, devido à sua condição de filho bastardo do infante D. Luís. No entanto e segundo o autor, a Duquesa de Bragança, seria automaticamente arredada da sucessão, por ser uma herdeira feminina, o que a deixaria em desvantagem sucessória perante o rei espanhol. 

Neste ponto, o dr. Valladares decerto não desconhece a inexistência da Lei Sálica nos dois maiores reinos da península, até porque no que a Portugal respeita, existia o bem conhecido precedente de D. Beatriz, natural sucessora de D. Fernando I. Torna-se assim evidente que a exclusão de D. Catarina, duquesa de Bragança, se deveu ao exercício de uma clara coacção por parte de quem detinha a força militar e o poder corruptor do dinheiro. Argumentando correctamente acerca de movimentos precursores da fusão dos diversos reinos da península, nomeia sem especificar …"un nieto de los reyes católicos"… que no ocaso do séculos XV, era o herdeiro dos três tronos. É claro que sabemos tratar-se de D. Miguel da Paz, filho de D. Manuel I e da princesa D. Isabel, herdeira de Castela e de Aragão. O facto de D. Miguel – se tivesse sobrevivido aos seus progenitores – ser o possível unificador da península sob o ceptro de Avis, é para o autor, despiciendo. Compreendemos porquê.

O período efectivo da chamada União Ibérica, não merece senão algumas muito vagas referências, limitando-se Valladares a focar os interesses mercantis de sectores muito localizados de mercadores desejosos do comércio e acesso à prata espanhola, e da nobreza sequiosa de prebendas e desempenho de cargos administrativos na Monarquia dos Áustrias. 

Ao longo do texto, esperámos encontrar, mesmo que de forma difusa, alguma menção aos factos que decididamente levaram à colisão de interesses entre os dois reinos e isto mais estranho se torna, por serem tão evidentes e conhecidos. Não há qualquer referência à proibição do rendoso e tradicional comércio com as potências do Norte – a Holanda sublevada e a Inglaterra protestante -, não existe a mínima menção à depredação do poder naval português em empreendimentos de cariz imperial (Invencível Armada, etc) e nos conflitos com aqueles que eram alguns dos nossos mais importantes clientes; não se vislumbra qualquer interesse no estudo da situação criada pelo esvaziamento dos arsenais portugueses, cujas armas foram utilizadas nos campos da Flandres e na guarnição da rede de fortalezas que protegiam os territórios filipinos no norte da Itália e zona renana. O estado de abandono das defesas portuguesas no Oriente, que foram aliás os primeiros alvos dos inimigos de Espanha (antigos clientes de Portugal), levou à total ruína da presença lusa no Índico e Pacífico ocidental, onde ingleses e holandeses instalaram uma nova talassocracia. A perda de vultuosas rendas provenientes do antigo monopólio do comércio com a Índia, China e Insulíndia, levou à inevitável e extrema pauperização do tesouro da coroa de Portugal, com a eclosão de um descontentamento sempre ascendente. O não cumprimento dos juramentos efectuados nas Cortes de Tomar, nem sequer merece uma reflexão sumária e tão mais importante, quando se torna afinal, no móbil ideológico e propagandístico utilizado pelos revolucionários de 1640, na sua acção diplomática em toda a Europa. 

Já na fase pós-1º de Dezembro, o autor vai divagando acerca …"del nuevo régimen bragancista: una monarquía limitada por la tradición, respetuosa con las inmunidades estamentales y regida por unos consejos integrados por la nobleza". Desta forma, o dr. Valladares parece não compreender o transcendente suporte que o trono dos Bragança recebeu por parte daqueles a quem os espanhóis habitualmente chamam de "poderes fácticos", isto é, os interesses comerciais, a nobreza administrativa e militar e a Igreja. Não parece entender o aspecto chave de toda a questão, até porque todos os conflitos internos do Estado espanhol, giram até aos nossos dias, em torno da velha questão dos "fueros".

A evidência de todo o Império colonial luso ter aderido ao novo estado de coisas, não merece qualquer relevo e isto é demonstrativo, de uma verdadeira incompreensão da situação vista pelo prisma português. É que a viragem do interesse da expansão para a zona do Atlântico, já era notória no reinado de D. João III e a aventura africana de D. Sebastião, pode talvez, ser encarada neste âmbito de consolidação de posições de controle de uma nova área de influência. Assim, as boas relações com as potências marítimas – que para grande alívio dos governos de Lisboa foram reduzidas, décadas após a Restauração, a uma Inglaterra interessada na manutenção de um Portugal independente -, não são compreendidas à luz do interesse do estado português. Este aspecto é tão mais relevante, porque é bem conhecido dos estudiosos além Pirenéus, como condição sine qua non da política externa nacional desde 1372, e que chegou sem fissuras ao século XXI.

As explicações relativas às tentativas diplomáticas para a reincorporação na coroa de Filipe IV, são igualmente nebulosas e inconsistentes, uma vez que versam repetidamente, a correcção do caminho trilhado por Madrid, que rasgara o acordado em Tomar. Assim, o texto menciona o objectivo de Filipe IV, consistindo aquele em …"restaurar un patrimonio usurpado y tiranizado para devolver a los portugueses a un gobierno legítimo y justo basado en las leyes y tradiciones de Portugal". O autor não tem em conta a profunda clivagem ocorrida quando da tentativa de colocação em prática da chamada União de Armas gizada por Olivares, talvez a faísca que ocasionou a explosão da revolta. Esta política de assimilação, pressupunha um esforço militar colectivo e necessariamente, a redução das leis de todos os reinos componentes da Monarquia, à lei geral de Castela.

Não pretendendo discorrer muito mais acerca do texto, deparamos também com a habitual minimização do factor militar. No entanto, é sabido que os grandes confrontos ocorridos após a morte de D. João IV
e
em plena regência da rainhaD. Luísa, fizeram ruir a esperança espanhola numa rápida resolução bélica do conflito, dada como garantida por Madrid. É certa e infalível a costumada menção ao factor da intervenção inglesa – justificando-se airosamente as estrondosas derrotas do exército espanhol – sem manifestar qualquer referência ao tremendo esforço português, que pagou caro em sangue e em bens, as vitórias que de tão incontestáveis, ditaram o sucesso em 1668. Este esforço militar não se fez sentir apenas na defesa da integridade do território metropolitano, pois foi também evidente na defesa do Brasil face à ameaça holandesa – a grande potência naval daquela época – e à posterior reconquista de todos os territórios do nordeste ocupados, assim como a expulsão dos batavos de Angola e S. Tomé. O empenho da nova dinastia – uma das grandes casas senhoriais da península, senão a maior – na consolidação da independência, se ditou a sua ruína financeira, foi a base sólida que fez dobrar a vontade espanhola. A essa energia e porfiar de esforços e sacrifícios, deve Portugal a sua existência como país e nação independentes.

Este texto publicado pela Clio, é uma vez mais, um já habitual reescrever da História. Uma história que não é agradável para alguns, mas que deverá ser sempre vista sob o crivo da verdade.

 

O dia mais longo da nossa História

 

 

Em 1995, uma simples afirmação do então presidente Mário Soares, demoliu um mito propagandístico velho de mais de um século. Para grande desespero ou despeito dos sátrapas e escribas do pensamento oficialista, Soares justificava a sua participação como P.R., na cerimónia de Estado em que consistiu o casamento dos actuais Duques de Bragança. Acompanhando naquele importante momento um amigo de décadas, M. S. declarava também estar Portugal a prestar uma homenagem à Casa de Bragança pelos relevantes serviços prestados à Pátria, à sua liberdade e independência.

 

 

Ficaram assim soterradas as grandes tiradas retóricas das Conferências do Casino, os Finis Patriae que culminaram com o Crime no Terreiro do Paço e as justificações fastidiosas, incipientes e vazias de conteúdo histórico escritas por um Oliveira Martins que sendo um impenitente idealista, vergastou a dinastia para acabar por nela reconhecer, sob o turvo prisma do cesarismo, a redenção de Portugal.

 

 

Todas as velhas nações possuem as  datas que calendarizam glórias passageiras, aquelas que ingratamente  o tempo condena ao posterior olvido pelas gerações que não as viveram. Os desastres das batalhas perdidas são frequentemente compensados pela gesta de uns poucos  – o Decepado, o Soldado Milhões ou um D. Sebastião –  que souberam bem morrer ou resgatar a periclitante honra dos outros, que ausentes do campo onde de pé se morria, nem por isso se sentiam menos atingidos por uma tragédia ainda não percebida, mas que inexoravelmente sobre as suas cabeças faria tombar a vingativa espada do inimigo.  Os grilhões apostos aos conquistados, seriam então exemplar justificativo e testemunho do espírito de sacrifício. Santificava-se desta forma aos olhos de um misericordioso Deus que do alto velava pelo seu povo e lhe forjava no ânimo, esse querer de libertação e do retorno a um perdido mas não esquecido tempo, onde a Lei dos naturais conformava a espontaneidade de um sentido de pertença à comunidade, a Grei.

 

A Monarquia Portuguesa criou a nação que somos e essa identidade tem sido ao longo das centúrias, plenamente justificada através de nebulosos e por vezes lendários indícios da especificidade das populações que foram consecutivamente ocupando o território que ainda hoje se chama Portugal. Os lusitanos, os conventos romanos e a criação do primeiro mas efémero Império Ibérico, erguido pela força guerreira visigótica, enraizaram nas mentes daqueles que lhes sucederam, essa certeza do direito à constituição de uma entidade territorial distinta daquelas outras com quem ainda partilhava o idioma e mais importante ainda, a Fé.

 

14 de Agosto de 1385 consistiu talvez, a data a partir da qual este país deixou para sempre a contraditória e incerta condição estatutária  de uma parte independente de uma grande Galiza. Essa confusão decorrente do próprio processo de criação do reino no século XII, ditava uma aparente edição localizada e muito particular do feudalismo que imperava além Pirenéus e que das suas faldas se estendia até à foz do Niémen.  Um qualquer acaso sucessório derivado da morte de um monarca sem descendentes, ou um negociado matrimónio que forjava uma outra realidade política na Respublica Christiana, modificava então as sempre frágeis fronteiras e no tempo fidelizava os povos à nova dinastia. Aljubarrota foi importante, servindo de marco ao reconhecimento do interesse específico  das …"muitas e desvairadas gentes"… que viviam  naquele espaço criado jurídica e perpetuamente pelo tratado de Alcanizes. Os portugueses tinham como cumprida a sua parte na Reconquista da terra outrora cristã, há séculos avassalada e subjugada pelo invasor que viera do outro lado do mar, com desconhecidas línguas, estranhos costumes e exótica divindade.

 

Pela primeira vez uma vitória militar colocava em definitivo, a realidade territorial Portugal, no palco de uma Europa que perdidas as ilusões de uma reunificação que fizesse ressurgir o cristão império romano, levava os seus reis, príncipes ou republicanos condottieris, a gizar alianças, garantindo a sua supremacia sobre rivais e vizinhos. No entanto, Aljubarrota consistiu no culminar de um curto e turbulento período de realinhamento interno de forças políticas, económicas que confluíram no interesse pela preservação da independência que surgia como a essencial condição da prosperidade e realização pessoal de quem mais podia e o repúdio por todos os demais, de um poder estranho e até então considerado inimigo.  O 14 de Agosto escancarou as portas  daquele sentido de urgência de acrescentamento do domínio, cumprindo-se assim simultaneamente, o brado "Deus o Quer" de uma cristandade que tudo podia justificar.

 

A chegada de Gama à Índia, a descoberta do Brasil – uma das grandes e actuais razões do nosso direito a existir como Estado  e inegável símbolo da grandeza histórica de Portugal – e aquela ininterrupta série de espantosas, mas hoje infelizmente esquecidas vitórias nas quentes águas do Índico e do Pacífico ocidental,  podiam almejar ao título da mais importante data da História de Portugal. Contudo, se nos tornaram para sempre visíveis perante um mundo que até então nos ignorava, não foram suficientemente prenhes de consequências que garantissem aquela certeza de pertença e de necessária preservação de um legado já antigo de quase meio milénio.

 

A morte do vate nacional, Camões, num hipotético 10 de Junho de 1580, quando os 
tercios
 de Alba implacavelmente escreviam uma nova página possibilitada pelo desastre de Alcácer Quibir, surgiu para as mentes dos românticos oitocentistas, como única e diamantina oportunidade de distanciamento de uma outra data, que para a totalidade do corpo nacional, servia de pendão de honra ao espírito de resistência que esmagara invasores, rasgara tratados iníquos e galvanizara o ânimo consagrador da liberdade desta nação que há muito era uma Pátria.

 

O dia 10 de Julho será então imaginado pelos seus promotores como a unanimemente aceitável efeméride que divorciaria os portugueses daquela clara manhã de 1640, em que o escudo de armas português para sempre se retirava da simbólica da União Dualista. Esta União – afinal sempre desejada pelos promotores republicanos do 10 de Junho de 1880 – baseara a sua legitimidade na força da espada e no ouro das moedas corruptoras e enlouquecedoras do espírito de discernimento de alguns. O fim último desta tentativa do radicar de um novo marco que seria assim considerado como o mais importante da História de Portugal, era o rebaixamento da dinastia que surgia como um mero e fortuito acaso ou recurso de um grupo de abnegados e bravos redentores a ela alheios.  Fantasiaram-se episódios de resistência do duque D. João e justificou-se a aceitação do Levantamento por parte dos Braganças, pelo "varonil ânimo" da castelhana duquesa D. Luísa de Guzmán.  Construiu-se habilidosamente o mito da indecisão e do espírito timorato daquele, que afinal pela sua prudência, sageza de pensamento e resolução na acção de estadista, garantiu o sucesso da Revolução. Arruinou materialmente a sua Casa, mas ganhou a coroa e a liberdade de Portugal como reino independente que pela força das armas e astúcia dos políticos, conservou o legado ultramarino que ao tempo interessava. É também a definitiva confirmação de um novo vector da nossa presença no mundo, que da Ásia transita para o espaço Atlântico onde ergueria um novo império, o Brasil, ainda hoje um grande entre os maiores.

 

Não cabe aqui o desfiar das desditas que para este país significou o seu achincalhar à condição de província de uma Grande Ibéria que estendia os seus braços à Europa Central, Flandres, Reno, Milão, ao sul da Itália e que transformava vastas regiões católicas do Sacro-Império, em simples dependências ou inevitáveis e subalternas aliadas.

 

1580 reduziu e inferiorizou um Portugal já imperial, com domínios que se estendiam das plagas norte-africanas às costas do Japão. Porto de abrigo e de comércio para todas as nações cristãs, Lisboa habituara-se à presença das alvas gentes do Norte e à colorida presença daqueles que oriundos da África, Índia, China, América ou zona malaia, provavam o senhorio reclamado pelos monarcas que ostentavam orgulhosamente o título de Senhores do Comércio e da Navegação na Guiné, Etiópia, Índia, etc. 

 

A permanente e férrea política de alheamento dos conflitos continentais que esmagavam populações, devastavam campos e semeavam a perniciosa semente da inimizade histórica entre vizinhos, fortificou a consciência da identidade nacional, a necessidade de com todos dialogar e comerciar e o direccionar dos esforços para a preservação e dilatamento do património territorial conseguido com tantos e custosos sacrifícios.

 

Existem algumas efemérides que embora sejam importantes marcos  e signifiquem o início de novas experiências políticas que uma mudança de regime implica – o 24 de Julho, o 5 de Outubro, o 28 de Maio ou o 25 de Abril -, não se revestem daquele transcendente significado que a palavra Liberdade no seu sentido mais lato – o da gente e o da Pátria como entidade política autónoma e internacionalmente reconhecida pelas outras – só é conseguido por aquele dia em que se restaurou a independência portuguesa.

 

O 1º de Dezembro de 1640 é a data mais importante da nossa História, pois se internamente consagra o desejo da totalidade de uma Nação que animicamente já o era há muito, internacionalmente consistiu na confirmação de uma necessidade desejada  por todos aqueles que combatiam uma prepotente e implacável hegemonia, cega ao direito das terras e das gentes. A Restauração foi saudada com efusão em boa parte da Europa e se para alguns consistiu numa oportunidade para o abatimento do Leviatã que há mais de um século ditava a lei nas relações entre Estados, para outros oportunamente surgia como ocasião para a consolidação do esbulho do património luso espalhado pelo mundo. A vontade e o sacrifício abnegado dos portugueses de então, desiludiu aqueles que apenas esperavam um passageiro e apetecido  contratempo  à imperial Espanha de Filipe IV e de Olivares.

 

O dia 1 de Dezembro de 1640, foi o mais longo da nossa História e prolongou-se por  vinte e oito anos de terríveis sacrifícios. Os portugueses bateram-se praticamente sós, contra as duas grandes potências de então – a Espanha e a Holanda -, vencendo uma nos campos de batalha da raia e a outra, a belicosa Batávia, nos mares, no sertão brasileiro, em Angola e nas longínquas paragens asiáticas.  A Guerra da Restauração foi um conflito em múltiplas frentes, onde o ferro da espada e a pluma dos diplomatas e dos grandes homens que juridicamente justificaram perante o mundo a libertação, se irmanaram num indissolúvel elo que garantiu o sucesso final. Se na Europa os terços lusos conseguiram rechaçar a coligação de nações que era o exército dos Habsburgos espanhóis, no além-mar Portugal defrontou e acabou por vencer o mais implacável, fero e traiçoeiro inimigo de que há memória. De facto, a luta contra a talassocracia e o poder financeiro da hostil e exterminadora Holanda, criou tantas e aprioristicamente inultrapassáveis dificuldades, que o resultado da emancipação foi por muito tempo incerto e geralmente considerado como condenado pelas chancelarias europeias, desde o Vaticano às monarquias do Norte. A França surge como transitória protectora interessada em tolher o movimento à sua rival continental que via desprender-se o mais precioso florão da sua coroa e a Inglaterra, baqueava na guerra civil, impotente para o pleno  cumprimento do papel que o velho Tratado de Aliança lhe ditava como obrigação.  Os portugueses – Portugal, um todo – para sempre tornou presente a sua condição de Estado, numa Europa que via nascer e desaparecer entidades políticas, conforme  a

vontade dos grandes do momento e desta ou daquela guerra perdida.  A  memória de 1640 reavivou-se naquela outra Restauração em 1808, quando pela primeira vez derrotado o invasor francês, a legitimidade erguida como bandeira pelo povo, fez saber à Soberania no distante Brasil, o apego da nação à sua liberdade entre as demais. 

 

Portugal inteiro o quis e assim o fez. Lutou, negociou, transigiu por vezes. Contra todos os prognósticos, restaurou a legitimidade do seu Direito e no trono colocou quem dele tinha sido pela força esbulhado em 1580. Venceu o irredutível ânimo de todos, irmanados no resgate de uma liberdade que justificava assim, a própria existência das gentes que alçando  o pendão da nossa terra, tornou seu o brado Liberdade! Liberdade! Viva  D. João IV!

 

É esta a lição dos nossos maiores e hoje, decorridos trezentos e sessenta e nove anos e num momento grave que compromete os ideais de 1640, devemos todos, monárquicos ou republicanos – mas para sempre portugueses – sentir como oportunas, estas palavras:

 

"Todos os que pensarem que o sonho dos fundadores e dos restauradores ainda está vivo, venham ter connosco; e se alguém questionar este crescente sentir do poder do povo, a resposta é hoje, como o foi no 1º de Dezembro: O rei  é livre e nós somos livres!"

 

 

A máquina do tempo: Bon colp de falç! – a Restauração portuguesa e a Catalunha (1)

 

(Texto de Carlos Loures e Josep Anton Vidal) 

 

Faz amanhã 369 anos, em 1 de Dezembro de 1640, Portugal recuperava a sua independência perdida 60 anos antes. Todos sabemos, até aos mínimos pormenores, como foi esse dia «em que valentes guerreiros / nos deram livre a Nação». Interessante que os catalães têm a ideia de que lhes devemos a libertação do jugo estrangeiro. E afirmam que foi o facto de os castelhanos terem de deslocar tropas para a frente catalã que nos permitiu, apanhando os ocupantes fragilizados, restaurar a independência. Independência que, formalmente, sempre conservámos, embora com um rei estrangeiro no trono.

 Em parte, isto é verdade. Mas só em parte. Tal como só em parte é verdade que tenham sido os conjurados, os «valentes guerreiros que nos deram livre a Nação», como se canta no tal hino escrito para uma peça teatral em 1861, por Eugénio Ricardo Monteiro de Almeida (1820-1869) numa visão romântica de uma realidade bem mais dura. A letra parece ter sido escrita por plumitivos ao serviço do regime salazarista. Regime que aliás aproveitou o hino e o tornou coisa sua, com honras especiais na organização para fascista da «Mocidade Portuguesa». Hoje, o hino é trauteado, como vamos ouvir no vídeo abaixo, pelas populações raianas. A música ficou, mas a letra foi esquecida, como merecia coisa tão rebuscada e falsa. Tipicamente romântico e falseador da realidade é também o quadro de Veloso Salgado (1864-1945) que vemos acima. Sabemos ser impossível expurgar a História de todos os mitos. Mas podemos, pelo menos, tentar libertá-la de alguns deles.

 

A verdade completa é um pouco diferente da versão catalã e dos mitos românticos que se forjaram em Portugal no século XIX. Em síntese, a verdade é que durante 28 anos aguentámos uma guerra que mobilizou desde rapazes de 16 anos a velhos à beira da cova, deixando os campos abandonados, trabalhados por mulheres e crianças, e que nos obrigou a fundir os sinos das igrejas para fabricar canhões, a desviar para o esforço de guerra os parcos recursos de uma economia débil. Construíram-se ao longo da fronteira sólidas fortalezas que ainda hoje estão em bom estado de conservação. Contrataram-se técnicos militares estrangeiros para reorganizar um exército desmantelado ou articulado de acordo com os interesses do invasor – oficiais, engenheiros… Tivemos alguma ajuda francesa,  algum apoio inglês, mas a pior parte foi feita por nós. A vitória em batalhas como as de Montijo (1644), Linhas de Elvas (1659), Ameixial (1663) e Montes Claros (1665), foi um factor decisivo.

Ganhámos a guerra. Ao fim de quase três décadas e de milhares de mortos, das cidades e vilas raianas devastadas pelas frequentes incursões inimigas, ganhámos e a nossa independência foi reconhecida. Porém, hoje queria ocupar-me da parte em que os catalães têm razão. De como a «Revolta dos Ceifeiros» e a guerra que se lhe seguiu nos ajudou. Porque quando aqui dizemos que na Catalunha se ignora tudo o que a Portugal diz respeito, manda a verdade que se diga que, para a maioria dos portugueses, a Catalunha é uma província de Espanha. Ponto final. Vou, pois, em breves palavras, contar a quem não sabe, a história dessa sangrenta revolta, coisa que os meninos na Catalunha conhecem bem, mas de que a maioria dos portugueses nem sequer ouviu falar. Para pilotar a nossa máquina do tempo pela história da Catalunha adentro, pedi ajuda ao meu amigo Josep Anton Vidal. Este texto é da autoria de ambos. Vamos ver como as coisas ocorreram na Catalunha.

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Em 1635, a França encetava a uma nova fase da guerra contra os reinos da Casa de Áustria, os Habsburgos, que dominavam grande parte da Europa, para além das colónias da América, de África e da Ásia. O sol nunca se punha na vasta parte do mundo dominada por Castela e essa grandeza sufocava a pretensão francesa de hegemonizar a Europa militar e economicamente. Era a chamada Guerra dos Trinta Anos que começara em 1618. No entanto, apesar da paz de Vestefália assinada em 1648, a guerra prosseguiria entre os dois estados até 1659, quando se assinou o tratado dos Pirenéus. Este prolongamento por mais doze anos da guerra dos Trinta Anos teve como cenário e motivo a Catalunha.

Por outro lado, esta guerra com a França veio evidenciar as fragilidades do gigante castelhano, minado pelo próprio gigantismo das suas estruturas e sobretudo pela corrupção que o afluxo de ouro e prata, proveniente da América, criando fortunas rápidas e fáceis e a quebra no valor dos metais preciosos, geraram uma crise profunda que o conde-duque de Olivares, chefe do governo, procurava enfrentar impondo medidas drásticas nos reinos submetidos. O astuto governante pusera em marcha uma política destinada a recuperar o esplendor da monarquia, ameaçado pela decadência, reforçando o poder do soberano nos reinos peninsulares e na Europa.

A carga fiscal aumentara em Castela e a sua política belicista, que o levou a envolver-se numa guerra pela hegemonia europeia, exigia uma repartição dessa carga fiscal e do esforço militar por todos os reinos da Península. Porém, a legalidade de cada reino constituía um obstáculo a essa política. Porque, quer Portugal, quer a Catalunha, Aragão ou Valência não tinham perdido formalmente a independência. O que acontecia era que o rei era o mesmo – o de Castela e imperador das Alemanhas. Em Portugal, desde Filipe I (II de Castela) havia o compromisso de respeitar os «foros e privilégios» do Reino.

Na Catalunha e outros reinos, acontecia o mesmo. Daí a urgência de unificar as leis e alinhar os direitos desses reinos pelos de Castela. No fundo o que Olivares pretendia era acabar com a independência teórica dos reinos que compunham o Império da Casa de Áustria, centralizar de uma vez por todas as decisões em Madrid. Já em 1625, em carta ao rei, o conde-duque dissera que o monarca não deveria contentar-se em ser rei de Portugal, Aragão e Valência, conde de Barcelona; deveria esforçar-se por «levar a esses reinos as maneiras, as leis e os costumes de Castela». Numa palavra, deveria aniquilar a independência formal, centralizar, castelhanizar. A Flandres aceitou essas medidas que impunham o recrutamento forçado de soldados para a guerra com a França. A Catalunha e Portugal recusaram liminarmente o agravamento dos impostos e o recrutamento adicional, plano de reestruturação militar a que Olivares chamou a «União de Armas».

Em suma, de um ponto de vista formal, não se tratava de recuperar a independência, pois quer Portugal, quer a Catalunha nunca a tinham perdido até então. Filipe I, fora dentro da linha sucessória, o herdeiro legítimo do trono de Portugal. O mesmo acontecera na Catalunha, onde os Áustria cingiam legitimamente a coroa condal. Olivares, porém queria alterar as regras do jogo e foi neste clima, em que as diversas legalidades colidiam com os interesses de Madrid e a sua supressão parecia inevitável, que os conflitos eclodiram.

Nas Cortes Catalãs de 1626, que o rei abandonou antes do encerramento e sem ter obtido qualquer acordo, as instituições recusaram as obrigações impostas pela União de Armas, n
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ando-se igualmente a aceitar exigências que colidiam com a legalidade catalã (Els Usatges). Voltou a fracassar a ofensiva de Olivares quando as Cortes foram reatadas em 1632. Nesta altura, Olivares recorreu a uma artimanha: tentou usar a legalidade catalã para a aniquilar: mercê do usatge “Princeps Namque”, era concedido ao conde de Barcelona (soberano do país), o direito de chamar às fileiras os súbditos em defesa do território. Porém as instituições catalãs mantinham a argumentação de que sendo essa potestade exclusivamente destinada à defesa do Principado da Catalunha, não era legítimo usar as forças assim constituídas para atacar outros territórios. Portanto, constituído um exército com recurso a essa lei, não podiam as tropas ser empregues noutro fim que não a defesa, nem podiam sair do território.

Este argumento levou Olivares a deitar mão a um estratagema militar para forçar o recrutamento dos catalães, desencadeando operações militares contra os franceses junto das fronteiras da Catalunha. Assim, em 1637,desencadeou a campanha de Leucata, no Languedoc francês. A campanha redundou num desastre para as tropas de Filipe IV (III da Catalunha e de Portugal). Embora as unidades catalãs se tenham recusado a abandonar o território, o grosso do exército de Olivares ocupara a Catalunha e, acabada a desastrosa campanha, permaneceu no país. A permanência do exército, obrigava ao «aboletamento», ou seja, a população civil era obrigada a acolher os soldados, proporcionando-lhes alojamento – sal, vinagre, fogo, cama, mesa e roupa lavada. Aqui acabava a obrigação legal – as demais despesas tinham de ser pagas pelos soldados. Porém, na prática, as coisas eram mais complicadas, pois não se estipulava durante quanto tempo tinham os civis de garantir o aboletamento, nem o número de militares que tinham de ser acolhidos em cada casa. Dado este vazio legal, os soldados impunham a lei com a arbitrariedade que se pode imaginar.

Os camponeses eram obrigados a cuidar e a alimentar as montadas e, inclusivamente, tinham de pôr à disposição do exército os seus próprios animais de montada e de tiro. Destas obrigações estavam dispensados os nobres, os clérigos e os cidadãos. Pelo que o peso recaía por inteiro sobre a população rural, fustigada pela precariedade das colheitas. O aboletamento vigorava desde 1626, mas a partir da campanha de Leucata a situação foi tornando-se cada vez mais insustentável.

Em Janeiro de 1640, Olivares quis agravar as obrigações do aboletamento, de modo que a população civil (e rural), assumisse também a manutenção da tropa, ou seja, os custos da sua alimentação e pagasse, sem direito a qualquer reembolso ou compensação, as despesas dos soldados. Esta situação de violência e abuso crescentes sobre a população, particularmente da rural, criou um clima de tensão que atingiu o clímax na Primavera de 1640 e levou à mobilização dos camponeses que se organizaram de acordo com as formas tradicionais de defesa (escaramuças, ataques de surpresa…) e constituíram um exército de populares que conseguiu expulsar as tropas de alguns territórios, empurrando-as para o Rossilhão. O levantamento atingiu Barcelona em Maio de 1640. Na capital, libertaram algumas autoridades, mandadas encarcerar pelo vice-rei, por terem encorajado à resistência contra o aboletamento. Foi neste contexto que eclodiu a sublevação do Corpus de Sang.

 

 (Continua)

 

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