Pod do Dia – As marcas que Março marcou

Na noite de 16 de Março de 1974, dez minutos depois da uma da manhã, um comboio militar saía do Regimento de Infantaria 5, nas Caldas da Rainha.

 

Pod do dia
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Pod do Dia - As marcas que Março marcou
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Sopa de letras – Morte em combate

Sopa de Letras
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Sopa de letras - Morte em combate
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Marcelino da Mata e outros instrumentos de propaganda

Não vou entrar no debate Herói VS Vilão. Na Guerra Colonial, o vilão era Salazar e o seu indissociável regime. Não havia outro. Todos os outros foram vítimas, umas mais que outras, e cada um fez as suas escolhas, mais ou menos condicionadas. Marcelino da Mata escolheu servir o regime fascista. Se o serviu por convicção, interesse ou medo, é dúvida que dificilmente será esclarecida. Podemos apenas especular. Mas isso também não interessa para nada! Porque a discussão que se gerou não foi sobre Marcelino da Mata, mas sobre o que certas forças quiseram que Marcelino da Mata representasse na hora da sua morte.

Digam o que disserem os saudosistas, Marcelino da Mata foi instrumentalizado pelo Estado Novo. Foi, literalmente, sem aspas, um instrumento de propaganda. Não está em causa se voluntariamente ou não. Poderá não o ter sido numa fase inicial, mas, seguramente, houve um momento em que percebeu qual o seu propósito e utilidade para o regime fascista: um negro leal ao regime opressor, que Salazar usou para dizer aos negros colonizados que aquela guerra não era entre a metrópole autoritária e as colónias subjugadas, mas entre um Portugal de todas as etnias e raças, que nunca existiu, e um bando de insurgentes criminosos, que calharam de ser todos negros e descendentes dos povos colonizados.

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Pod do Dia – Mata

Guerra colonial (1961-      )

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Pod do Dia - Mata
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Outros confinamentos

[Manuela Cerca]*

Tinha 15 anos.

Nos primeiros dias do mês de Agosto de 1975, o meu mundo desabava. Para trás ficavam dias sombrios. Para a frente só havia incerteza.

Ao entrar no Boeing 747 da TAP, com os meus irmãos, desfaziam-se todos os sonhos da infância e adolescência. Sozinhos, os meus pais, crédulos e ainda no exercício da sua actividade, ficariam por lá, até Outubro, enfrentávamos o desconhecido. Havia, é verdade, a certeza de que no destino estariam, pelo menos para nós, braços e colos que nos acolheriam e nos ofereceriam a tranquilidade de uma vida familiar. Mas muitos dos que connosco faziam a viagem não sabiam que destino os esperava. Não conheciam ninguém, muito menos a terra que os recebia.

Na dúzia de meses que antecedeu esta partida vivemos em guerra. Uma guerra civil que transformara, num ápice, a nossa zona de conforto em campo de batalha fratricida. As ruas onde brincávamos passaram a estar-nos vedadas, as escolas onde nos sentíamos em segurança muniram-se de “planos de contingência”, como agora se diz, e a qualquer momento as evacuações podiam acontecer. As viagens, naquela imensa Angola, tornaram-se perigosas e incertas. Desaconselhadas. Os postos de controle das várias organizações políticas( MPLA, UNITA, FNLA) consoante as zonas da sua influência, eram territórios aleatórios, de onde não sair, ou sair com vida, dependia em muito da sorte que nos cabia. O som das balas, rajadas ou morteiros, invadiam-nos os dias e principalmente as noites. O “inimigo” estava ao nosso lado, mas nem sempre o víamos. Os bens essenciais escasseavam, os assaltos pela calada da noite multiplicavam-se. [Read more…]

Puta de Pátria que agra­dece aos coi­ces

Cristóvão de Aguiar, o católico Paulo Portas e a Guerra Colonial.

25 poemas de Abril (IV)

 

As colunas partiam de madrugada

 As colunas partiam de madrugada

Para o norte partiam para a morte

Partiam de Luanda flor pisada

Levavam morte de Luanda para o norte.

 

De Luanda partiam flor pisada

Colunas que levavam.

Luanda para o norte para a morte

De Luanda partiam madrugada.

 

 De Luanda madrugada para o norte

As colunas partiam

Levavam de Luanda a flor pisada

Para a morte do norte para a morte. [Read more…]

A minha guerra colonial

Setembro de 1972. Escola Prática de Infantaria, em Mafra. EPI – Entrada Para o Inferno. Vivia-se um dos períodos mais intensos da guerra colonial. Uma parte do convento abria- se diante de mim numa voragem de tácticas, de fogo real, de crosses para a Ericeira, de slides na foz do rio Lisandro. Granadas, G3, campo de infiltração, progressão nocturna que, no entendimento do capitão que metralhava de perdigotos os cadetes das redondezas, “às vezes demora dias”! E o alferes instrutor, bronco como um bacamarte, a inverter os pronomes nas respostas às questões dos cadetes instruendos em fase de aprendizagem acelerada nas artes da guerra: “Não foda-me, nosso cadete”. “Fique descansado, meu alferes.” O que eu queria era que não me fodessem a mim.

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Patriotismo e guerra colonial

As recentes, e, na minha opinião, infelizes, declarações de Cavaco Silva sobre a generosidade com que muitos jovens portugueses foram obrigados a participar na Guerra Colonial e as reacções a essas mesmas declarações levam-me a pensar, mais uma vez, sobre o que é ser patriota.

Ao dar como exemplo de generosidade e dedicação à pátria os homens que participaram na Guerra Colonial, Cavaco terá proferido essas palavras, entre outras razões mal disfarçadas, para agradar a antigos combatentes. Resta saber quantos antigos combatentes se terão sentidos elogiados e quantos terá ofendido. É que falar com antigos combatentes não é, necessariamente, falar com pessoas que defendem a guerra colonial.

Por esse país fora, ao longo do ano, há homens que se reúnem aproximados pelos tempos que passaram em África, na guerra. Os antigos combatentes são homens todos diferentes uns dos outros, unidos sobretudo pelo sofrimento e pela camaradagem que o sofrimento tem o condão de originar. Não sei se nessas reuniões se defende, maioritariamente, as virtudes da guerra em que participaram, mas não é isso que está aqui em causa. [Read more…]

O presidente de todos os colonos

“Importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do país com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar”, afirmou o chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva.

Há todo um dejá vu nesta notícia, amplificado pelo cuidado com que o jornalista recuperou a hoje inconstitucional expressão “chefe do Estado” (já agoram chefe era com maiúscula).

Há todo um apelo à mais pura infâmia, à cobardia dos que não desertaram e partiram para matar, à determinação salazarista que levaria Portugal à catástrofe colonial. Salazar é sem dúvida o herói deste Cavaco, que lhe segue os passos no que pode, e nós deixamos.

 

Bais Lebar no Focinho, Óbiste?

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NUM TÁS CALADINHO? VAIS LEBAR NO FOCINHO
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Foi assim, oferecendo pancada, com toda esta ligeireza e a boa educação que se verifica, que um grupo de militares ou ex-militares ou qualquer coisa militar e/ou reformados falou, e ameaçou o escritor António Lobo Antunes, que por razões de segurança não apareceu onde era esperado no fim de semana. O escritor ficou com receio de levar uns sopapos de um grupo de gajos valentes que se querem juntar para irem ao focinho a um outro gajo que está sozinho e se limita a dizer o que pensa.

Tenho de começar por dizer que gosto muito de ler Lobo Antunes, a quem não tenho o prazer de conhecer.

Devo acrescentar que, a exemplo da maior parte da população masculina nascida até ao começo da segunda metade do século vinte, exceptuando claro os refractários e os desertores que na sua maioria são hoje heróis, fiz a tropa. Para além de a ter feito, pertenço ao grupo dos militares que, em serviço, tiveram acidentes e ficaram com alguma deficiência.

A notícia vem no Expresso. [Read more…]

4 de Fevereiro de 1961 – Acontecimentos de Luanda

Na Madrugada do dia 4 de Fevereiro de 1961, grupos de guerrilheiros angolanos, comandados por Neves Bendinha, Paiva Domingos da Silva, Domingos Manuel Mateus e Imperial Santana, num total de cerca de duzentos homens, armados com catanas, desencadearam uma série de acções na cidade de Luanda,

Um desses grupos montou uma emboscada a uma patrulha da Polícia Militar, neutralizando os quatro soldados, tomando-lhes as armas e as munições. Com o objectivo de libertar os presos políticos, assaltaram a Casa da Reclusão Militar, o que não conseguiram.

Outros alvos foram a cadeia da PIDE, no Bairro de São Paulo e a cadeia da 7ª Esquadra da PSP, onde havia também presos políticos. Tentaram igualmente ocupar a «Emissora Oficial de Angola», estação de rádio ao serviço da propaganda do Estado.

Nestas acções, morreram quarenta guerrilheiros, seis agentes da polícia e um cabo do Exército Português, junto da Casa da Reclusão.

O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), considera o 4 de Fevereiro como data do início da luta armada em Angola. No entanto, na origem desta rebelião esteve o cónego Manuel Joaquim Mendes das Neves (1896-1966), mestiço, natural da vila do Golungo-Alto, missionário secular da arquidiocese de Luanda, o qual não estava ligado ao MPLA.

(Fonte; BRANDÃO, José, «Cronologia da Guerra Colonial», Prefácio Editora).

Memória descritiva: Luta armada contra a ditadura (7) – debate com operacionais da LUAR, BR e ARA-

«O aparecimento da LUAR, fora da órbita do PCP e de outros movimentos que surgiam com conotação marxista-leninista e envolvidos nos diferendos de carácter predominantemente doutrinário, marcou, em meu entender, uma mudança qualitativa na oposição ao regime, iniciando métodos de luta que outras organizações viriam a adoptar mais tarde, como as BR e a ARA», disse Fernando Pereira Marques.

FPM – Gostaria de acrescentar um pormenor ao que disse há pouco.

CL – Somos todos ouvidos, Fernando.

FPM – Entre o núcleo fundador da Liga de União e Acção Revolucionária, estavam antifascistas que já tinham participado em outras acções com grande impacte, associadas a tentativas mais amplas de derrube do regime: Palma Inácio, além da sua participação nos anos 40 numa tentativa de golpe militar, tinha entrado no célebre desvio do avião da carreira Casablanca – Lisboa para lançar panfletos sobre a capital; Camilo Mortágua foi também um dos que realizou esta operação e esteve ainda na tomada do paquete Santa Maria. Estas acções, apesar das suas repercussões, inclusive internacionais, caracterizavam-se por se inserir na concepção de luta designada por “reviralhista”, animada por figuras como Humberto Delgado e Henrique Galvão que apostavam nessa tradição que durante muitas décadas predominara entre a oposição. [Read more…]

Aquele Inverno

Poemas com história: Se não matarem todos os monandengues da nossa terra

 

 

 

O título é tirado de uma das narrativas de Luaanda, o livro do escritor angolano Luandino Vieira a que foi outorgado o prémio literário da Sociedade Portuguesa de Escritores, prémio que conduziu, em 1965, ao encerramento daquela associação de classe pela polícia política. Disse Luandino: «Se não matarem todos os monandengues da nossa terra, eles contarão mesmo para seus filhos e seus netos dos tempos bons que vêm aí:» Monandengue é a palavra de quimbundo para garoto, criança.

O pequeno poema de hoje, escrito em 1965, constituiu uma homenagem ao Luandino,  um protesto contra o encerramento da SPE, da qual eu era sócio, e, principalmente, um gesto de contestação contra a guerra colonial. Foi publicado em 1968 na colectânea A Voz e o Sangue, livro que foi proibido quando se estava já a vender a segunda edição. Diz assim o poema (no qual introduzi pequenas alterações, pois a versão original era injusta para os militares portugueses) :

 Se não matarem todos os monandengues da nossa terra

Os meninos da terra mártir contarão

como os seus pais e irmãos foram assassinados,

como os homens e as mulheres do seu povo

depuseram as suas vidas no regaço do futuro.

Contarão como morriam as aldeias e os homens,

os pássaros e as árvores, como as suas mortes

semearam a vida nova e a liberdade na terra mártir.

Nas vozes comovidas dos monandengues, os mortos

renascerão mais nobres e heróicos, acendendo

lágrimas nos olhos do povo.

 

Pelos nossos jovens  só suas mães chorarão.

Braços do nosso silêncio, da nossa cobardia,

molharão os seus dedos

no sangue que a nossa crueldade

os fez verter.

Quem os chorará?

Quem reclamará os louros

do seu inútil sacrifício?

 

 

 

Guiné -Irkutsk

Guiné – IrkutsK

 

(mais um conto, verdadeiro, da Guiné)

 

Não chovia, mas o céu ameaçava desfazer-se em água. Era plúmbeo, presumivelmente a oeste, e carregado de negro do lado oposto. Uma faixa mais clara nascia por cima de Irkutsk e desfibrava-se ao longo do rio Angorá. Mais parecia um quadro de Fiódor Vasiliev ou de Ivan Aivasovsky.

 

Como a vida tem tantas formas de circularidade, sentei-me num banco de jardim à beira do rio, e dei ordens à memória para me buscar aquele rapaz soviético que, há muitos anos, num ardente dia de sol, as nossas tropas aprisionaram no norte da Guiné. Era de Kiev, mas tinha nascido em Irkutsk, na Sibéria.

 

Técnico de máquinas automáticas, oferecera-se, como voluntário e internacionalista, para ajudar os guerrilheiros do PAIGC a combater as tropas colonialistas.

 

 

Na pequena sala onde funcionava a secretaria do nosso aquartelamento, estava o prisioneiro como que pregado a uma cadeira. Tinha na sua frente o capitão da nossa Companhia, o capitão da Companhia de intervenção que o capturou, dois ou três sargentos e outros tantos alferes, e eu.

 

Os lábios do jovem soviético nascido em Irkutsk estavam gretados de sede e de sol. Um sorriso feito de água, terra, fogo e ar, iluminado por um sol negro de melancolia, denunciava um grande medo dos homens que tinha na sua frente.

 

O capitão foi buscar um copo de água e entornou-a lentamente a uma mão travessa da boca do rapaz. Os olhos quase saltaram das órbitas. Pedi ao capitão que me desse o copo, enchi-o de água e raiva e dei-o a beber ao prisioneiro. Valeu-me a firmeza com que o fiz e o facto de ser médico.

 

Se algum dia a minha vida pudesse ser música!…

Desconfiado, levou o copo à boca…

Ainda hoje eu não sei falar de tudo o que treme nas mãos de uma criança!

 

O céu arrependeu-se de chover. Seguimos para o lago Baikal, a maior reserva de água doce do mundo. Segundo os cálculos, daria para matar a sede à humanidade durante oitocentos anos. Quando senti nas mãos a água fria das margens lembrei-me de um copo de água lá nos confins da Guiné.

 

Eu não sou capaz de crescer para as palavras, mas dava tudo para cruzar os tempos que ainda são tempo, e mostrar ao mundo a dimensão que o homem  é, e a pequenez que usa por força da fraqueza.