A paz dos mais fracos

Conta-se que durante a transmissão televisiva de uma final de um torneio de ténis  (Borg/McEnroe), Álvaro Cunhal, que se encontrava na sede do PCP, quando perguntou qual era o mais fraco, responderam “John McEnroe“, e começou a torcer por ele. Tendo sido confrontado com o comentário de que se tratava de um norte-americano, o então Secretário-Geral do PCP terá respondido qualquer coisa como “É o mais fraco, e os comunistas estão sempre do lado dos mais fracos“.

Dito isto:

A substituição de Jerónimo de Sousa à frente do PCP pelo actual Secretário-Geral Paulo Raimundo soou, de início, a uma tentativa de  interpretar o que correra mal nas últimas eleições legislativas, abrindo um eventual novo ciclo.

Todavia, percebe-se que, afinal de contas, e por mais paradoxal que pareça, o PCP insiste e persiste na estratégia que Nixon usou na gestão das fitas de gravação no “Caso Watergate”: se um erro não resolve, tentemos outro.

Primeiro, foi a narrativa de que a invasão da Ucrânia pela Rússia foi por culpa da Ucrânia. Isto, depois da versão de que Rússia se preparava para invadir a Ucrânia, era uma fantasia criada pelos EUA.

Agora, perante o forte apoio militar do Ocidente com vista a equilibrar os pratos da balança no combate, a lógica é de que tal apoio apenas serve para alimentar a escalada do conflito. E que aquilo que se devia promover era a negociação da paz e não a alimentação da guerra.

Ora, o que fez o PCP quando invadiram as suas sedes no PREC?

Convidou os invasores para se sentarem e negociar um qualquer entendimento?

Não: defendeu, e bem, as suas sedes com tudo que podia arranjar, desde armas de fogo até fueiros, braços e punhos, e peitos dispostos a enfrentar balas, para garantir a integridade perante os invasores e incendiários. E toda a ajuda era bem-vinda.

Ora, se um país é invadido por outro, tanto mais uma super-potência, vai fazer o quê? Um convite para um chá? Ou luta pela sua integridade territorial e pela sua existência? [Read more…]

PCP: João Ferreira, és tu?

“Após a invasão da Polónia pela URSS, na sequência do Pacto com Hitler, o PCP deu esta “explicação” aos seus militantes. Afinal nada do que todos viram suceder tinha acontecido – de acordo com a visão afunilada dos estalinistas de 1939. Tal como hoje. Tanta atualidade 83 anos depois…”, Carlos Abreu Amorim, Facebook, Março de 2022.
O documento foi originalmente publicado por Maria José Oliveira (Journalist; researcher (@ihc_fcsh
, @hah_africa @osomeafuria); History Phd cand.@nova_fcsh & @uniovi_info; Book: WWI port. POWS; Dickens & George Eliot addict)

João Gonçalves: Do pronunciamento à democracia imperfeita

(João Gonçalves, Jurista)

O que é que aconteceu no dia 25 de Abril de 1974, uma quinta-feira levemente brumosa em plena Primavera já não “marcelista”? Para sermos rigorosos, deu-se um pronunciamento. Seguindo de perto Vasco Pulido Valente em “Os militares e a política (1820-1856)”, INCM, 2005), o pronunciamento caracteriza-se fundamentalmente pelo seguinte:

  • é uma intervenção de oficiais de carreira e de unidades para substituir um governo ou um regime sem violência;
  • tal intervenção procura alcançar a colaboração, activa ou passiva, da totalidade ou da maioria dos ramos das forças armadas, fundamentalmente o Exército, no caso, para subsequentemente impor a vontade dos militares ao poder político vigente.

O 25 de Abril, nestes termos, foi aquilo a que poderíamos designar como um pronunciamento militar clássico em consequência das circunstâncias político-militares da época, a saber, a guerra dita colonial que se desenrolava há mais de uma década na África portuguesa. Se atentarmos na primeira comunicação da Junta de Salvação Nacional, já na madrugada de 26, existe o cuidado em fazer referência explícita a Portugal, e cito de cor, “no seu todo pluricontinental”.

Interesses corporativos do oficialato médio, de carreira, por um lado, e alguma penetração político-ideológica em alguns extractos desse oficialato, por outro, criaram o “caldo” necessário à realização do pronunciamento, para, numa frase que ficaria famosa, acabar “com o estado a que isto chegou”. E a prova de que não existiam intuitos violentos reside no avanço, de Santarém para Lisboa, das “forças” comandadas pelo autor da frase, o capitão de Cavalaria Salgueiro Maia, constituídas maioritariamente por soldados em instrução. As metralhadoras G3 que a maioria carregava não disparavam um tiro. Politicamente, a “arma” mais emblemática usada no pronunciamento foi uma viatura Chaimite que recolheu o essencial do poder político vigente, no seu bojo, entre o Largo do Carmo e a sede operacional do MFA na Pontinha.

Tudo se passou rapidamente após o pronunciamento. A moderação inicial, de que o General de Cavalaria António de Spínola era o rosto principal enquanto Presidente da República, soçobrou no final do Verão de 74. No livro “Rumo à vitória”, o secretário-geral do PCP, o partido mais duradouro e consistente na oposição ao Estado Novo decaído, tinha explicado, com meridiana clareza, como é que tudo se devia passar.

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A elegia do fascista

Querendo elogiar Álvaro Cunhal um salazarista compara-o a Salazar. Insulta os dois, mas deus, como não existe, distribuiu a inteligência e a cultura em forma de mijo: uns ficaram só com os pingos.

Cunhal, Papel Químico de Salazar

alvaro_cunhalCunhal foi-nos perigoso na sua servil e irredutível fidelidade à URSS e depois, com o passar do tempo, transformou-se apenas em mais um venerável e inócuo idoso pré-mumificado, ainda carismático, coerentemente petrificado, enquanto a URSS desaparecia e ficavam apenas as deletérias cinzas dela, milhões de mortos, presos políticos, silenciados, estrangulados nas liberdades mais elementares. O Político falhara. Surgiu o Artista. Avultou o Romancista. E esses são para amar e venerar, sem lentes nem peias, porque é sobretudo a humanidade, mais que a fria postulação política, a manifestar-se. [Read more…]

O Álvaro vende bem

Álvaro Cunhal vende bem, dentro e fora da www. Na passagem do centenário do seu nascimento, não faltam artigos que valem cliques que valem publicidade, como não faltam livros sobre livros sobre diz-que-disse Cunhal.

No vídeo acima, Odete Santos é clara e desmonta os mentiras que este livro contém. Não faltam convidados para falar de Cunhal como frio, calculista, sectário. Um monstro, ao que parece, e a quem a ideologia dominante não perdoa o carisma, a simpatia popular de que gozava e a admiração que alguns, mesmo adversários, lhe tinham. Não podem, que os tempos não são fáceis quando o tempo prova que o PCP teve razão antes de tempo, sobre o euro, sobre a UE, sobre as políticas desastrosas de PS, PSD e CDS que levaram o país a um estado de não Estado.

Nos dez minutos do vídeo acima, Odete Santos arrasa autor e imprecisões do livro. Talvez por isso sejam poucos os militantes do PCP convidados para falar nas apresentações dos muitos livros que foram e serão lançados em torno de Cunhal: [Read more…]

“… que se projecta na actualidade e no futuro”

Cunhal

Ao chegar a casa, depois de me deparar com um invulgar interesse de Ricky Gervais por determinados aspectos do folclore português hodierno, fiquei a saber, através da comunicação social amiga do Acordo Ortográfico de 1990, que, na próxima semana, no Espaço “Couloir Chevale [sic e já lá vamos]” do Parlamento Europeu, aqui em Bruxelas, será inaugurada uma exposição sobre Álvaro Cunhal, com o título «Vida, pensamento e luta: Exemplo que se projeta [sic] na atualidade [sic] e no futuro».

Cunhal 2

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Memória descritiva: Luta armada contra a ditadura (5) – debate com operacionais da LUAR, BR e ARA-

Este debate surge na sequência (e como corolário) de uma série de quatro textos que aqui publiquei sob o título «Luta armada contra a ditadura». Nesses textos, sumarizei os movimentos mais relevantes verificados desde o 28 de Maio de 1926 até ao 25 de Abril de 1974. Numa descrição cronológica (e necessariamente incompleta) englobei os movimentos de natureza militar, os de iniciativa civil, e alguns em que ambas as componentes intervieram. Nos dois últimos textos, tentei sintetizar a acção de organizações clandestinas que, desde o final dos anos 60 e até à Revolução, desenvolveram uma série de acções de sabotagem que constituíram um elemento decisivo no desgaste de um regime fragilizado pela Guerra Colonial, pelas greves, pelas lutas estudantis e por um crescente descontentamento da população.

No arranque deste debate que ficará depois aberto a todos os leitores, vou entrevistar elementos das três organizações que até a 25 de Abril de 1974, moveram essa resistência armada – A LUAR, as BR e a ARA. São eles, por ordem alfabética, Carlos Antunes, comandante operacional das Brigadas Revolucionárias; Fernando Pereira Marques, elemento do comando da LUAR que tentou ocupar a cidade da Covilhã no Verão de 1968 e José Brandão, que integrou a ARA, a organização armada do Partido Comunista Português. Todos eles meus amigos de longa data. É uma conversa entre amigos, portanto, esta que transcrevo da gravação. [Read more…]

Memória descritiva: Luta armada contra a ditadura (3)

Numa reunião do comité central do PCP, realizada em Agosto de 1963, verificou-se uma grave dissidência entre a linha, estalinista, ortodoxa, a corrente maioritária, a de Álvaro Cunhal, e uma minoritária, liderada por Francisco Martins Rodrigues. Sendo insanável a divergência, este, acompanhado por outros elementos daquele órgão dirigente, abandonou o partido, acusando a linha dominante de ser «meramente eleitoralista».

Em Abril de 1964, esse dissidentes criaram a FAP- Frente de Acção Popular, através de cujo órgão de imprensa (o Luta Popular) defenderam a acção armada como única via de derrube do regime salazarista. Em 1965 os principais dirigentes e outros militantes foram presos pela PIDE. Porém seria a partir deste pressuposto, de que o regime só cairia pela violência e nunca pela luta legal, que iriam nascer organizações clandestinas como a LUAR e como as Brigadas Revolucionárias. Organizações que o PCP sempre acusou de serem «aventureiristas», «divisionistas» e «blanquistas».

Abro um parêntesis, para lembrar que «blanquismo» é um conceito proveniente do nome de Louis-Auguste Blanqui (1805-1881), político francês que defendia que a revolução socialista e a consequente tomada do poder, não seria obra das massas proletárias, mas sim de um grupo reduzido de conspiradores, bem organizados em estruturas secretas. Segundo Blanqui, a revolução seria consumada sob a forma de um golpe de estado. Na linguagem dos partidos comunistas ortodoxos, blanquismo é, portanto, um termo fortemente pejorativo. [Read more…]