Portugal: uma sociedade doente

Os portugueses são um povo neurótico, a precisar de colo e de se pensar a si próprio e à sua existência. Carlos Céu e Silva, psicólogo clínico, pensa que o considerável aumento do mal-estar que a austeridade provocou espelha de forma preocupante as patologias mentais de uma sociedade doente. E responsabiliza os políticos portugueses por esse quadro depressivo.

(c) Sandra Bernardo
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Há dias, no Facebook, apareceu uma frase que creio que define bem o mal-estar que está na raiz de várias patologias que afectam os portugueses. Essa frase diz assim: «Doutor, sofro de retenção de tristeza». O que pensa da frase?
Diria que a partir do momento em que a pessoa expressa de forma tão clara o seu mal-estar, uma parte do caminho já se fez. O sofrimento mais profundo e mais existencial da nossa vida, nós temos muitas vezes dificuldade em expressá-lo, ele não é sempre traduzível em palavras. Nessa medida, essa frase indica muito claramente que a pessoa que a diz está muito triste, ou muito melancólica, relativamente a uma sociedade que não corresponde ao seu ideal. Penso, também, que há depressão na existência dessa pessoa. Mas não posso saber, apenas pela frase, a gravidade dessa depressão, o grau que tem na sua vida diária e de que forma a afecta.

CARLOS CÉU E SILVA (n. 1960) é Psicólogo clínico e Mestre em Aconselhamento Dinâmico. Fundador e Presidente da Olhar – Associação pela Prevenção e Apoio à Saúde Mental, é também Presidente da Laços Eternos – Associação de apoio a pais e irmãos em luto. Como pensador e escritor, assinou Dicionário Psicológico da Criança – a partir da obra de João dos Santos (Âncora, 2008), As Mulheres de Henry James (Coisas de Ler, 2009), Édipo – Uma História Completa (Coisas de Ler, 2009) e Infâncias (Esfera Poética, 2014).

O que transforma essa frase num enunciado significativo é a palavra retenção. Porque essa palavra diz-nos que há uma justaposição de várias camadas de tristeza que estão retidas, que não foram ainda ou libertadas ou transformadas noutra coisa.
Concordo. Mas podemos também interpretar essa palavra de outra forma, porque ela também pode dizer-nos que a pessoa detém um poder individual sobre a situação.

Que é capaz de se auto-controlar?
Sim. E talvez até de um egoísmo.

Não percebo a ideia de egoísmo. Pode explicitar?
Se olharmos para o ser humano nas suas componentes internas e mentais, percebemos que há sempre egoísmo, porque para sobrevivermos tem de haver da nossa parte um constante esforço suplementar. É porque temos esse poder individual, seja ele mental, emocional ou fisiológico, que somos capazes de reter – tal como uma criança se torna capaz de controlar a micção, por exemplo. A capacidade de retenção tem a ver com a forma como nós nos concebemos como seres individuais e sociais. E é este conflito, por vezes desorganizado, que faz com que possamos sentir-nos melancolicamente desprovidos de capacidade para viver socialmente em equilíbrio.

Considera, ou não, que a frase define o povo português?
Considero que define bem e mal o povo português. Define bem porque de facto o povo português é um povo que deseja poder, que deseja conquistar poder, e também o poder de se auto-controlar. Mesmo que depois experimente dificuldade em ter poder, em lidar com o poder, qualquer que seja. E define mal porque quando o português adquire poder, a forma como o gere revela uma dificuldade operacional em assumir conscientemente as suas decisões. E revela também um equívoco, porque a relação com o poder não obriga ao uso de autoritarismo, mas a uma disciplina afirmativa e estimuladora.

O que quer dizer quando diz que os portugueses não lidam bem com o poder?
Quero dizer que nós, portugueses, historicamente, não fomos e continuamos a não estar preparados e a não ser educados para o poder. O português típico deseja o poder, e inveja o poder de quem o tem. Quem tem poder é sempre visto pelos portugueses como um ser a abater. Porquê? Para que possam substituir os outros nesse poder.

Podemos encarar isso como um defeito constitutivo do carácter nacional?
Podemos. Mas vale a pena perguntar porquê, por que é que esse carácter tem essas características? Porque é que nós, portugueses, somos tipicamente invejosos e temos, tipicamente, a tendência para ver o outro de forma deturpada e como um ser ameaçador?

Porquê?
A nossa história existencial enquanto povo, e a criação da nossa pátria enquanto chão, mostram-nos que fomos sempre assim. [Read more…]

E Tu, Já Fantasiaste Suicidar-te?

Querer morrer às próprias mão pode, em muitos casos, ter dentro também qualquer coisa de misteriosamente vaidoso e imaturo, golpe dado na passiva a quem pelo menos algum amor e zelo nutriu por nós e não ficará indiferente ao como acabamos. Não podemos julgar. Só compreender.

Algures na minha pré-adolescência, entre os meus intensos e apaixonados treinos de Ginástica Desportiva e de Karaté-Do, ficava-me um vazio social, uma anómala solidão: na escola e nos treinos separava-me deliberadamente dos meus colegas. Ficava metido comigo mesmo, convencido da excelência dos meus desempenhos, zelando pelo imaculado perfeccionismo da minha entrega física, para não falar no facto de a minha linguagem nada ter de chula como a da maior parte deles, no meu intolerante juízo. Não podia permitir que me contaminassem de prosaico e baixas expectativas. Tinha o exclusivo dos duplos mortais. Com dez, onze, doze anos, vivia na ilusão de atingir a perfeição moral e atlética através de uma feroz auto-disciplina. [Read more…]

Uma vida curta demais

Este é o título da biografia do guarda-redes alemão Robert Enke, escrita pelo jornalista Ronald Reng e publicada agora em Portugal pela Lua de Papel. Passam agora três anos da sua morte. Todos conhecem o seu fim: sucumbiu a uma profunda depressão.

“Enke, diz Reng, gostaria de ser lembrado como alguém que se debateu com uma doença. Significaria muito para ele que as pessoas soubessem que era preocupado com os outros e um guarda-redes fantástico. E que percebessem que não se matou conscientemente, mas que foi a doença que o levou a esse acto.” (PÚBLICO, 6/11)

Aquela depressão teve como uma das causas ou a sua principal causa, a morte da filha de dois anos, Lara, em 2006. Uma vida curta demais refere-se, obviamente a Enke, mas a vida de Lara também o foi em demasia e Enke, como qualquer pai, não compreende nem aceita.

Mas foi também a pressão do futebol: “para Robert era muito difícil aprender a lidar com os erros”.

Que nos sirva de lição, a todos, este caso triste do futebol profissional:  “a carreira não é a vida. Há outras coisas além disso.”

Dia Mundial da Música

Sou suspeita…

A Música é minha companheira desde os seis ou sete anos. Não me lembro de a ter antes. Num piano de cauda de brincar feito de plástico e pernas de madeira que a minha mãe tinha à venda na mercearia, eu tocava os primeiros sons. De tanto uso, conquistei o Piano: a minha mãe não o vendeu. Hoje, procuro que a música seja também a companheira para a vida dos meninos e meninas que aprendem Piano comigo.

A Música é uma excelente companhia, seja ouvindo, seja fazendo-a.

Mas está demonstrado que, para além do prazer que se tira, a Música contribui para o nosso bem-estar físico: “mexe com a totalidade do ser humano”.  Um determinado trecho musical pode, ao nível físico, “alterar o ritmo cardíaco e respiratório, a pressão sanguínea, a produção hormonal, as ondas cerebrais, tendo até resultados sobre o sistema cognitivo”.  [Read more…]

“Embrulhar” a dor

No passado domingo, a jornalista Paula Torres de Carvalho escreveu um artigo no Público sobre a Depressão, que intitulou de «Lidar com as tristezas». Partilho esse texto com os leitores do Aventar:

“Não é fácil conviver com a infelicidade. Fazem-se planos, projectam-se desejos que a crueza da vida contraria e depois… não há perspectivas, não se vêem saídas. Fica-se desalentado. Resta viver com o que há, quando muitas vezes o que há é muito mau e muito triste. Mas estar desanimado e deprimido nem sempre significa que se está doente.

Portugal é hoje um dos países europeus com maior consumo de antidepressivos. Como em muitos outros países europeus, banalizou-se a prescrição e o consumo das drogas psicotrópicas. O último eurobarómetro sobre saúde mental realizado em 2010, indicou que 15 por cento dos portugueses tinham consumido antidepressivos nos 12 meses anteriores, o dobro da média europeia. Mas, como alertou recentemente Jorge Gravanita, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica, o entendimento de grande número de psicoterapeutas é de que 90 por cento dos casos que chegam ao consultório não precisariam de medicação, mas de psicoterapia nos tratamentos de primeira linha. [Read more…]

A Grécia destruída por Bruxelas

KO à Grécia

Knockout (KO) à Grécia

Fonte: Presseurop

De um interessante artigo do jornalista Peter Oborne em “The Daily Telegraph”, traduzido para português, sobre o processo de destruição da Grécia pela UE, reproduzimos a respectiva introdução a partir do ‘site’ da Presseurop:

Afundada numa violenta depressão, a Grécia está a ser exaurida por uma UE “incompetente” e pelo seu “insensível” comissário para os Assuntos Económicos e Monetários, Olli Rehn, acusa Peter Oborne, num veemente comentário de página inteira.

A meu ver, é aconselhável a leitura integral do artigo, intitulado ‘Como Bruxelas está a destruir a Grécia’; quanto mais não seja a título de pré-aviso para os efeitos que nos podem estar reservados pela violenta e irracional terapia da ‘troika’, zelosamente aplicada e excedida pelo governo de Passos Coelho e Paulo Portas.

a depressão de Fátima

depressão

 Estou ciente de ter escrito e publicado hoje, um ensaio sobre se há fé de Fátima salvar-nos-ia desta falência. Tive o melhor coração para chamar a atenção do povo que não é a fé em uma divindade criada por pastores e que atingiu o mundo inteiro, o que nos salvaria da falência, das dívidas, dos juros do dinheiro em empréstimo, o que operaria o milagre, seria trabalhar e criar riqueza com indústrias transformadoras de matéria-prima e vender a preço de mercado, aos países que carecem delas. [Read more…]

O adultério revisitado

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o arrependimento que nada cura

Ontem, referi o pior dos pcados, sendo pecado uma relação que um ser humano pode cometer ao permitir-se amar a outra pessoa à qual não está unida por nenhuma outra relação que a da libido. Referia que era a violação de fidelidade conjugal, de diferentes maneiras em diversos sítios do mundo. Se falo dos Massim da Oceânia, analisados por Malinowski entre 1914 e 1924, com estadias permanentes ou visitas esporádicas, podemos reparar que no adultério existe na união carnal, amorosa ou não, entre pessoas de um mesmo clã, sendo clã uma família unida por laços consanguíneos. Laços consanguíneos, conforme for o sexo da pessoa. Apesar de uma família estar composta por homens e mulheres que se reproduzem entre eles, nem toda relação é adúltera. Os filhos do casal acabam por ser de outro grupo doméstico, se os descendentes forem varões: a idade da puberdade, esses filhos deve circular à casa do irmão da mãe, que é, conforme os costumes, o pai dessas crianças. O homem da mulher

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Passar à História

(adão cruz)

Texto, sempre oportuno, de Marcos Cruz

PASSAR À HISTÓRIA

Há coisas em nós que são extremamente difíceis de trabalhar. Tomamos consciência delas e achamos que, cumprida essa etapa, vai ser fácil repô-las no lugar. É, eventualmente, um efeito perverso dos comprimidos, cada vez mais comuns ao nosso quotidiano, sejam para uso pontual ou crónico: se temos qualquer variação nos níveis considerados normais disto ou daquilo, metemos uma ou várias pastilhas e, em mais ou menos tempo, a regularidade está de volta. Até pode ser que um dia haja comprimidos para a inveja, por exemplo, mas não creio que a raiz de onde ela vem possa ser moldada sinteticamente, que possa ser convertida por um corpo externo. O efeito desses comprimidos será, em princípio, paliativo, no sentido em que, deixado o seu uso, a inveja regressa, a menos que, como acontece nomeadamente com os fármacos antidepressivos, a pessoa aproveite as consequências anímicas da toma para trabalhar, ela mesma, a verdadeira causa da depressão. [Read more…]

O que se passa por esse mundo fora


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O filme de James Cameron está nas bocas do mundo. A caminho de ser o filme mais lucrativo de sempre, os críticos continuam divididos.
Agora surge uma outra polémica. O filme, dizem, não é próprio para pessoas sensíveis. A classificação, que impõe a idade mínima para poder ser visto, e que era aqui em Portugal «para maiores de seis anos», vai passar para um dos escalões acima. Se calhar até, «só para adultos». E isto porque, por esse mundo fora, há casos de depressões e até de tentativas de suicídio, provocados pelo visionamento do filme. Isto com pessoas sensíveis é assim!
Em Portugal, não há casos desses. Os Portugueses são fortes, física e mentalmente. As dificuldades por que passamos, os problemas de todos os níveis que vivemos, a falta de empregos, os ordenados baixos (para os afortunados que têm trabalho remunerado), a crise no ensino, a crise política, a crise económica, a crise e a crise, e ainda a crise governamental que a todos nos afecta, dão-nos uma capacidade (de sacrifício e de aguentar as adversidades) que se calhar os outros povos, chamados de evoluídos e economicamente estáveis, não possuem.
Desta forma não sofremos por não termos o que os outros têm. Não entramos em depressão porque há países nos quais os seus habitantes vivem muito melhor que nós. E acima de tudo não nos passamos dos carretos porque um filme retrata uma vida que não existe e que se existisse seria muito boa e até, quem sabe, fantástica.
Nós os Portugueses, somos fantásticos.

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O principio do fim da globalização ?

“O actual desmoronamento global, o pior desde a Grande Depressão de há 70 anos, veio cravar o último prego no ataúde da globalização. Já assediada por factos que mostravam o incremento da pobreza, quando os países mais pobres experimentavam pouco ou nenhum crescimento económico, a globalização viu-se definitivamente desacreditada nos dois últimos anos, quando o processo anunciado com pompa e circunstância, da independência financeira e comercial, inverteu a sua marcha, para se converter em correia de transmissão, não de prosperidade, mas de crise e colapso económico.” Walden Bello .

Nas suas respostas à actual crise económica, embora falando de coordenação global, os governos inventivam programas separados de estímulo económico para revitalizar os seus mercados nacionais. Ao fazê-lo, os governos adiam o crescimento orientado para a exportação, motor real de tantas economias.

A “desglobalização” elaborada há uma década, como uma alternativa para os países em desenvolvimento, não deixa de ser pertinente para as economias capitalistas centrais.

The Economist, observa que as corporações empresariais continuam crendo na eficácia da oferta global, “mas como qualquer cadeia, estas são tão fortes como o seu elo mais fraco. O momento perigoso chegará quando as empresas decidirem que este modo de organizar a produção chegou ao fim”

Walden Bello, professor de ciências políticas e sociais na Universidade das Filipinas.

Estamos em depressão

De repente damos por nós em pleno colapso. Sentimo-nos em baixo, sem vontade, sem determinação, arrasados por uma série de problemas ou circunstâncias, perante as quais não apresentamos capacidade de reacção. Se não estamos em depressão, é um sentimento que anda lá muito próximo.

 

O pior é quando o colapso é colectivo. Não é apenas uma pessoa, uma família, uma comunidade isolada mas todo um país. Assim anda Portugal.

 

Mergulhado num mar de incertezas, o país continuam num clima económico miserável, e do qual tardará em sair, um Governo em estado vegetativo, sem rumo aparente, um primeiro-ministro acossado por suspeitas, uma liderança da oposição ausente e naufraga, uma justiça em colapso, enredada em milhares de leis que só servem para a atrasar e uma desconfiança permanente em redor dos seus agentes. Eles desconfiam uns dos outros e o povo desconfia de todos eles.

 

Estamos deprimidos. Quem nos acode?

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