Volte sempre, Cavaco Silva!

Sempre que Cavaco abandona o seu retiro presidencial para fazer política, interrompendo a luxuosa transumância entre o Convento do Sacramento e a propriedade na Herdade da Coelha, permutada com o impoluto amigo Fernando Fantasia, três coisas acontecem.

A primeira é o cerrar de fileiras dos partidos à esquerda. Não que se vão entender todos para ressuscitar a Geringonça, mas parece-me evidente que Cavaco tem o poder de, aparecendo, recordar muita gente daquilo que foi o cavaquismo. Que teve todos os defeitos do Costismo e de outros ismos mais.

A segunda é a menorização da liderança do PSD. Montenegro, o primeiro político da história deste país que se propôs a estar 5 anos em campanha para umas Legislativas, tem sido uma desilusão. Não consegue impor-se, apesar da sucessão de casos em São Bento, não consegue travar a ascensão do CH, que se faz, sobretudo, à custa de antigos eleitores do PSD, não se liberta, ele próprio, dos casos e casinhos que o ensombram, entre ajustes directos, ligações opacas em Espinho e uma mansão não declarada, e não descola nas sondagens, pese embora o valor relativo dos estudos de opinião. Teve que vir Cavaco para provocar a agitação que Montenegro é incapaz de causar. [Read more…]

O Capitão e a Rainha

Sabem quantos dias de luto nacional foram decretados quando o capitão Salgueiro Maia faleceu?

Zero.

Zero dias de luto nacional pelo homem que desceu a Rua do Arsenal desarmado e enfrentou os tanques de Junqueira dos Reis.

Assim elogiou Portugal um dos grandes heróis da democracia, o que não surpreende, ou não fosse Cavaco Silva primeiro-ministro, o mesmo que atribuiu pensões vitalícias a ex-PIDEs e a recusou a…. Salgueiro Maia.

Agora, 30 anos depois da morte do último grande herói, assisto, perplexo, ao decretar de 3 dias de luto nacional pela rainha de Inglaterra, sem perceber muito bem porquê. Ou talvez se perceba: o luto nacional, como outras ferramentas protocolares ao serviço de quem governa as várias instituições deste país, não passa de um privilégio que os privilegiados usam para privilegiar as suas castas. Corrijam-me se estiver enganado, mas não me recordo de nenhum serviço prestado por Elizabeth II à REPÚBLICA portuguesa que justifique tal honra.

Vocês recordam?

A verdade, inegável, é que este país deve mais a Salgueiro Maia do que à rainha, ao Cavaco, ao Costa e a toda a casta de privilegiados que se privilegia entre si. Todos juntos não valem uma unha do capitão.

Jorge Sampaio pulveriza Cavaco Silva em 56 segundos

A tareia que Sampaio aplica em Cavaco, em apenas 56 segundos, só peca porque Sampaio era um cavalheiro. Se fosse eu, que sou um brutamontes, atirava-lhe logo à cara as pensões vitalícias atribuídas à escumalha pidesca. A mesma pensão que se recusou a atribuir ao último grande herói da nação, o capitão Salgueiro Maia.

Salgueiro Maia

Partiu há 30 anos o verdadeiro herói do 25 de Abril.

João Gonçalves: Do pronunciamento à democracia imperfeita

(João Gonçalves, Jurista)

O que é que aconteceu no dia 25 de Abril de 1974, uma quinta-feira levemente brumosa em plena Primavera já não “marcelista”? Para sermos rigorosos, deu-se um pronunciamento. Seguindo de perto Vasco Pulido Valente em “Os militares e a política (1820-1856)”, INCM, 2005), o pronunciamento caracteriza-se fundamentalmente pelo seguinte:

  • é uma intervenção de oficiais de carreira e de unidades para substituir um governo ou um regime sem violência;
  • tal intervenção procura alcançar a colaboração, activa ou passiva, da totalidade ou da maioria dos ramos das forças armadas, fundamentalmente o Exército, no caso, para subsequentemente impor a vontade dos militares ao poder político vigente.

O 25 de Abril, nestes termos, foi aquilo a que poderíamos designar como um pronunciamento militar clássico em consequência das circunstâncias político-militares da época, a saber, a guerra dita colonial que se desenrolava há mais de uma década na África portuguesa. Se atentarmos na primeira comunicação da Junta de Salvação Nacional, já na madrugada de 26, existe o cuidado em fazer referência explícita a Portugal, e cito de cor, “no seu todo pluricontinental”.

Interesses corporativos do oficialato médio, de carreira, por um lado, e alguma penetração político-ideológica em alguns extractos desse oficialato, por outro, criaram o “caldo” necessário à realização do pronunciamento, para, numa frase que ficaria famosa, acabar “com o estado a que isto chegou”. E a prova de que não existiam intuitos violentos reside no avanço, de Santarém para Lisboa, das “forças” comandadas pelo autor da frase, o capitão de Cavalaria Salgueiro Maia, constituídas maioritariamente por soldados em instrução. As metralhadoras G3 que a maioria carregava não disparavam um tiro. Politicamente, a “arma” mais emblemática usada no pronunciamento foi uma viatura Chaimite que recolheu o essencial do poder político vigente, no seu bojo, entre o Largo do Carmo e a sede operacional do MFA na Pontinha.

Tudo se passou rapidamente após o pronunciamento. A moderação inicial, de que o General de Cavalaria António de Spínola era o rosto principal enquanto Presidente da República, soçobrou no final do Verão de 74. No livro “Rumo à vitória”, o secretário-geral do PCP, o partido mais duradouro e consistente na oposição ao Estado Novo decaído, tinha explicado, com meridiana clareza, como é que tudo se devia passar.

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«Ouvia falar que havia gente que tinha problemas com a PIDE por falar»

Pois, OK. Mas era sobre assuntos sérios e não sobre futebolices. Já agora, ainda bem que houve quem não tivesse medo. Obrigado.

Postais da Raia #6 a #10 (de Cáceres a Castelo de Vide)

As terras do extremo e a campa triste de um capitão de Abril

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Tenho passado os últimos dias a atravessar fronteiras, sempre entre os mesmos países, embora em sítios diferentes. Saindo do Sabugal e do maravilhoso e relaxante hotel do Cró, de um quarto com vista para todas as estrelas do universo e com uma banheira também com vista para os campos, atravessei a fronteira na Aldeia do Bispo, sem que Espanha se fizesse anunciar. Apenas reparei que os sinais de trânsito eram diferentes e a estrada um pouco melhor. De resto, não se dá pela fronteira, nem creio que ela exista para muitos dos que a cruzam quotidianamente entre o lado português e o lado espanhol. Anda-se um bocadinho em Castela e Leão e entramos na Extremadura, ou nas terras que estão no extremo. De Espanha, claro, porque a seguir ainda há Portugal que tem as suas próprias terras do extremo, ali à beira do oceano, a última das fronteiras, o último dos horizontes, ou se calhar (de certeza, vá) não.
 

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Bem explicado para jotinha perceber

Alfredo Cunha, autor da foto roubada pela JPai a propriedade privadaai, fez-lhes um desenho.

Como organização política responsável, fica muito mal à JP o tratamento que está a dar a esta questão. Por partes:

1. A foto em questão pertence em exclusivo ao seu autor, que é só um dos maiores fotojornalistas portugueses. Dizer que a fotografia é “património imaterial do País” é, no mínimo, uma parvoíce.

2. Como autor da foto, o Alfredo Cunha autoriza (ou não) a sua utilização a quem quer, sem ter que explicar os motivos. E em caso de não autorizar, é livre de reagir ou não contra qualquer utilização abusiva, fazendo ele próprio a ponderação sobre se considera a tal utilização como de boa-fé ou não.

3. Os direitos de autor da imagem não se confundem, obviamente, como o direito à imagem de Salgueiro Maia. Quem tiver curiosidade sobre este direito pode facilmente encontrar por aí o que diz o artigo 79.° do Código Civil. E é público e notório que Salgueiro Maia autorizou (ainda que isso não fosse necessário) a exposição e reprodução da fotografia pelo seu autor. De resto, chegaram a estar juntos (fotógrafo e fotografado) em mais do que um acto público. [Read more…]

Tramados pela propriedade privada

Os jotas do CDS, alguns dos quais ainda suspiram pelo velho regime que não viveram, chegando mesmo a peregrinar até Santa Comba Dão para orar e colocar flores na campa do carniceiro fascista, decidiram dar vida a um cartaz de propaganda, alusivo ao 25 de Abril, usando para o efeito uma célebre fotografia de Salgueiro Maia, captada no dia da revolução pela objectiva de Alfredo Cunha. Ora o autor, ao que tudo indica e por motivos óbvios, não terá gostado da brincadeira dos traquinas centristas. Vai daí, decidiu espetar-lhes com um processo em cima.

Tem piada, to say the least, ver as camadas jovens de um partido, que tanto tem lutado pela sacralização da propriedade privada, metida em trabalhos por causa de uma espécie de violação da propriedade privada. O Hayek que descubra.

Imagem via Pinterest

Mais tomates, menos sofá

Encontrado na rede social. Actualíssimo.

O Filho do Ferroviário

Salgueiro Maia © Alfredo Cunha Salgueiro Maia © Alfredo Cunha

Salgueiro Maia e os outros

SALGUEIRO MAIA
Aquele que na hora da vitória
respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício

Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
como antes dele mas também por ele
Pessoa disse

Sophia de Mello Breyner Andresen

São todos, mas todos, tão pequeninos à beira dele.

25 de Abril de 1974

SALGUEIRO MAIA

Eu era uma criança.
Gostava de ter vivido aqueles momentos de apreensão mas também mágicos que acompanharam a revolução e ficaram para além dela.
Gostava de ter podido abraçar sentidamente aqueles Homens, em nada parecidos com os homúnculos que hoje por aí pululam.
De ter podido dizer-lhes «Obrigada» de rosto lavado em lágrimas e voz embargada.
De ter podido entregar um cravo vermelho a cada um deles.
De ter podido dizer-lhes que agora sim, agora é que o futuro nos ia sorrir. Agora é que iríamos concretizar a nossa grandeza, graças a eles.
De os ter acompanhado pelas ruas fora.
De ter ficado com o seu cheiro entranhado nas minhas roupas que não lavaria nem usaria jamais, de modo a perpetuar aquele odor heróico.
De ter abraçado todos aqueles com quem me cruzasse, subitamente transformados em meus irmãos na felicidade de concretizar um futuro sonhado.
De ter sentido aquele saborzinho único que fica quando a justiça impera e quando sabemos que vivemos momentos especiais.
De ter visto o povo nas ruas, cada vez em maior número, uns com olhares de medo, olhando ainda de soslaio, tentando perceber onde andaria o «bufo» mais perto de si, outros com um sorriso de orelha a orelha, sonhando já com o amanhã em liberdade.
De ter presenciado as reacções dos meus pais, de lhes ter lido o medo. De, depois, rir com eles, e construir sonhos de alegria, de igualdade, de justiça social.
De entoar lindas e frescas canções de revolução, liberdade e esperança.
Sim, o dia 25 de Abril de 1974 amanheceu especial e histórico e eu, infelizmente, era demasiado criança para o viver intensamente ou para simplesmente o viver.
Ainda assim, nunca é tarde para isto:
OBRIGADA por tudo o que fizeram pelo nosso país.

Gente realmente importante

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Não percebo tanta obsessão à volta do regresso de Sócrates à vida política. São tantos os problemas do país e é com isso que se preocupam? Com um rodapé? Com uma espécie de vírgula que nem chegou a sê-lo?
Nos últimos dias estive junto ao Aquartelamento das Caldas da Rainha, de onde partiu a revolta de 16 de Março de 1974. Estive em Óbidos, junto ao edifício onde a 1 de Dezembro de 1973 se realizou uma das mais importantes reuniões do MFA. Atravessei a Ponte Salgueiro Maia. Querem falar de gente realmente importante?

Salgueiro Maia em Duas Fotografias

Santarém, Jardim dos Cravos. Homenagem a Salgueiro Maia.
25 de Abril de 2012. © Um Amigo.

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25 poemas de Abril


Estamos em Abril e, como sempre, quero assinalar uma das datas mais importantes das nossas vidas, mesmo que a minha tivesse começado apenas 3 anos antes. Não vivi o 25 de Abril e não conheci Salgueiro Maia, que é provavelmente a pessoa que guia de forma mais marcante a minha existência. O meu farol, a minha linha de rumo. Não o conheci – é algo de irrecuperável no meu percurso de vida.
Daí os 25 poemas sobre o 25 de Abril. Porque é isso mesmo que Abril é – poesia.

A SALGUEIRO MAIA

Aquele que na hora da vitória
respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício

Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
como antes dele mas também por ele
Pessoa disse

Sophia de Mello Breyner Andresen

20 anos sem Salgueiro Maia

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Dos fracos reza a História

Quando olho para a História do meu País, não consigo descobrir muitas figuras de que me sinta orgulhoso e não me apetece perder muito tempo a pensar se noutros países seria diferente. Preocupa-me, isso sim, que o País em que vivo seja consequência dos actos de uma enorme quantidade de personagens medíocres que nos têm governado e que “a apagada e vil tristeza” pareça ser a nossa condição, pelo menos, desde 1143.

Na realidade, as personagens principais da nossa História têm revelado demasiadas fraquezas para que pudéssemos ser melhores. Basta ver que a figura histórica mais importante do nosso século XX será, sem dúvida, um ditador tacanho que contribuiu decisivamente para um atraso que, ainda hoje, nos faz ter medo de existir, como lembrou José Gil.

Ao fim de quase quarenta anos de Democracia, é evidente que Cavaco Silva terá direito a mais páginas do que Salgueiro Maia e isso será sempre, para mim, a prova de que é dos fracos que reza a História, porque não há comparação possível entre a generosidade nobre de um homem que não se aproveita da revolução que fez e a pequenez de um economista cuja visão não vai além das vacuidades que frequentemente profere, como foi o caso recente das declarações sobre as suas próprias dificuldades financeiras, declarações que envergonhariam quem fosse capaz de sentir vergonha.

Há um ano, Cavaco Silva foi reeleito Presidente da República. Há seis anos que o principal magistrado da nação é um homem sem grandeza, sem golpe de asa e, talvez por isso, seja o nosso melhor representante. Mesmo provocando o riso – sempre amargo – é útil reler algumas das suas principais declarações.

A cáfila…


O sr. Cavaco Silva anda em não-campanha eleitoral, isto é, continua a ter a sua agenda presidencial cheia de iniciativas que substituem facilmente os famosos outdoors, tarjas ou autocolantes.

Há uns tempos, depositou uma coroa de flores – que mania, esta republicanagem tem em depositar coroas, preferindo-as aos barretes! – no monumento de Salgueiro Maia. Bem vistas as coisas, deve-lhe o cargo. Ele e todos os outros “tacheiros” que por aí (ainda) andam. Seria interessante sabermos o que diria o capitão, acerca de todos os ataques que as Forças Armadas têm sofrido às mãos da cáfila que nos arranjaram.

Salgueiro Maia, o maior português do séc. XX

Há uns meses atrás, o Aventar lançou uma petição para salvar a casa onde nasceu Salgueiro Maia, em Castelo de Vide. Uma casa que, como se pode ver pelas imagens, está em avançado estado de degradação.

Entretanto, com o vírus que nos afectou em Outubro, perdemos as centenas de assinaturas que já tínhamos reunido e tivemos de começar tudo de novo. Muitos dos que assinaram inicialmente não voltaram a fazê-lo.

Passados todos estes meses, sentimos que cumprimos o nosso dever de homenagear aquele que, na minha humilde opinião, foi o maior português do século XX. Nas palavras de Sophia de Mello Breyner,

Aquele que na hora da vitória
respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício

Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
como antes dele mas também por ele
Pessoa disse

Em sete meses, reunimos mais de 600 assinaturas. Como é nosso dever, serão endereçadas à Assembleia da República, à Câmara Municipal e Assembleia Municipal de Castelo de Vide e à Associação 25 de Abril. Ainda não é tarde para salvar a Memória da Revolução.

Obrigado a todos.

25 de Abril – o dia que vale uma vida!

Andava o cheiro no ar, as coisas iam mudar, dava-se a entender que se sabia mais do que na realidade se sabia, todos tinhamos contactos, amigos em posições privilegiadas, o tempo adensava-se. Naquela madrugada, mesmo ouvir canções que sabíamos proíbidas e que nunca se ouviam na rádio, não tirou a maioria da rotina. O grande medo era se Kaulza e outros anti-democratas se antecipavam e levavam a efeito um golpe de extrema direita.

Acordei com o telefone, mais estridente que o habitual, do lado de lá um amigo avisava-me que era preciso ir para a rua, o gajo era dos que estava “por dentro” e eu a julgar que era mais uma bravata, pois que escutasse a rádio, ele estaria no Martim Moniz. E a rádio dava música militar, mas conversa e notícias népias, nada, até que chegou a voz firme do locutor. “Cidadãos fiquem em casa, o MFA está na rua, quer evitar-se a todo o custo um banho de sangue. Pede-se a todo o pessoal médico que se dirija para os hospitais. É a hora da liberdade!”

O que se seguiu já contei em ” O Largo do Carmo“, vou uma e outra vez áquele lindo largo, hoje cheio de esplanadas, o sítio onde me encostei com duas hipóteses de fuga, se aquilo desse para o torto, os jovens militares de G3, o jovem e sereno Capitão, o Dr. Sousa Tavares em cima do Chaimite com um megafone, os tiros, a rendição…

Noites e dias sem dormir, uma torrente de sentimentos e de experiências, a vida palpitante como um filme em que participavamos, sem guião, e onde todas as esperanças eram possíveis.

Obrigado, Capitães de Abril !

Memória descritiva: Otelo

Foi numa tarde de sábado do Verão de 1974, dia 13 de Julho, mais precisamente. Em casa do meu compadre Joaquim Reis, na Parede, eu, ele, o Jaime Camecelha, as respectivas mulheres, estávamos à volta de umas cervejas e de uns petiscos que a comadre Lurdes preparara. Excepcionalmente, naquele dia não fôramos a nenhuma manifestação e gozávamos o merecido descanso, após uma semana de trabalho e de luta. As crianças estavam numa sala ao lado com uma merenda adequada.

Na televisão, víamos distraidamente uma cerimónia qualquer transmitida em directo. Demos mais atenção quando vimos que estava ali toda a Junta de Salvação Nacional. O general Jaime Silvério Marques fazia um discurso balofo onde exaltava a juventude de espírito dos membros da Junta de Salvação Nacional, todos eles oficiais generais, chamando a esse ilustre grupo os louros da Revolução de Abril. Nós ríamos e íamos comendo, bebendo e conversando. Era a conversa de xaxa do costume.

Foi então que um jovem major de cabelos precocemente embranquecidos, elevou a voz e perguntou: «-Dá-me licença, meu general?» Silvério Marques apanhado de surpresa disse que sim. Spínola que conhecia bem aquele major de artilharia esboçou um sorriso. Acho que foi o meu compadre quem disse, referindo-se ao major: «- Este gajo parece o Nasser!».E o «nasser» sai-se com esta:

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No Largo do Carmo – Largo Salgueiro Maia

Para o Quartel do Carmo está lá o Marcelo! Era a palavra de ordem na Baixa de Lisboa. A multidão, a maioria gente jovem, subia o Chiado em direcção ao Largo.

 

Quando lá cheguei o Quartel já estava cercado pelas forças do 25 de Abril. O que chamava de imediato a atenção era a idade imberbe dos soldados, G3 a tiracolo. Foi para mim um choque, tinha saído da vida militar há 3 anos ainda me lembrava das técnicas de segurança para quem usa uma arma de guerra. Não passavam por ali.

 

Procurei o comandante, estava no centro de um espaço livre junto à  porta do quartel .Impressionava a serenidade, a ideia que passava é que a missão era para cumprir . A serenidade de quem estava preparado para morrer. Em cima de um chaimite, o Dr. Francisco Sousa Tavares gritava palavras de ordem, "belo alvo" pensei para comigo.

 

Depois o ultimato, as rajadas de G3 contra a parede do quartel, a entrada de dois civis, que ninguem sabia quem eram e que depois se soube serem os intermediários. A entrada do carro que transportava Spínola, o chaimite que foi lá dentro buscar os presos, a gritaria, os murros no carro que transportava Marcelo.

 

Na Baixa ainda havia movimentações de tropas da GNR, cozidas às paredes da estação do Rossio. A fragata que ameaçara bombardear o Terreiro do Paço, face à cobertura do fogo de artilharia instalado no Cristo Rei, já abandonara o Tejo.

 

Salgueiro Maia, dever cumprido, recolhia ao quartel em Santarém à sua vida profissional e familiar. Morreu como viveu. Digno e sereno!

Maria Monteiro – Salgueiro Maia: Um sonho que continua inacabado

 

Casa de Salgueiro Maia em Castelo de Vide, objecto da Petição que lançámos para a sua preservação

E no fim do dia descansou… – Breve biografia de Salgueiro Maia (I)

Foi de Santarém que, na madrugada do dia 25 de Abril de 1974, partiram as forças do Exército destinadas a ocupar Lisboa e os principais pontos de apoio do regime. Comandados pelo capitão Salgueiro Maia, um dos membros do clandestino Movimento das Forças Armadas, os heróis da revolução saíram da Escola Prática de Cavalaria e em pouco tempo estavam na capital. Um dia intenso, fértil em emoções e em acontecimentos, que culminou, ao fim da tarde, com a rendição de Marcello Caetano e a sua saída para o exílio. Nasceu Fernando José Salgueiro Maia em 1944 em Castelo de Vide, filho de um ferroviário, que devido à sua profissão era obrigado a mudar frequentemente de residência. Andou assim pelo país todo, passando grande parte da infância e adolescência entre a terra natal, Tomar e Pombal. Desde cedo que começou a evidenciar as características que o celebrizaram: forte determinação, grande frontalidade, enorme coragem, propensão para a liderança. Resistente do ponto de vista físico, inteligente a nível psicológico. Em 1964, com vinte anos, ingressa na Academia Militar. Ainda não tem consciência política do país, do regime que o governa e da situação colonial que em breve o espera. Mais de dois anos de estudos na Amadora e a chegada a Santarém e à Escola Prática de Cavalaria. A revolução começa aqui. Ele não o sabia, ninguém sequer o imaginava, mas foi aqui que tudo começou. A Guerra Colonial estava no auge e o alferes Salgueiro Maia é enviado para Moçambique, onde chega a Dezembro de 1967. Com vinte e três anos, cheio de ilusões, acredita profundamente na missão que vai encetar. «A guerra era também a possibilidade de combater pela dignidade de uma sociedade pluriracial e pluricontinental em que acreditava. De resto, não vi dezenas de colegas de cor que estudavam comigo no colégio Nun’Álvares, de Tomar, e na própria Academia? Não havia, pois, motivos para descrer dos intuitos da guerra e dos propósitos do exército.» – viria a dizer anos mais tarde em relação ao pensamento que o norteava.

 

 

As capacidades de comando, que já revelara nas ingénuas brincadeiras de criança e adolescente, revelam-se de novo na guerra, mas aqui com outro grau de importância. Quando regressa à metrópole, um ano depois, já como tenente, é um homem totalmente diferente. Pelo meio, ficou a adopção de uma criança moçambicana pela Companhia de Comandos, a visão clara daquilo que, afinal, era a guerra e, mais importante do que tudo, a percepção clara do regime corrupto e decadente que governava Portugal. No fundo, a desilusão completa. A tal consciência política que antes lhe faltava. «Havia de ser bonito… Eu pela Avenida da Liberdade abaixo até ao Terreiro do Paço…», chega a referir em plena guerra, como que prevendo o futuro. É então cometida uma das primeiras injustiças em relação à sua acção: a recusa da medalha de Comando, apenas pelo facto de não ter feito o curso de Comandos em Portugal. Outras injustiças se seguiriam.

Regressado a Santarém, é colocado na instrução da Escola Prática de Cavalaria. Aos subordinados, conta as «estórias» da guerra e da sua experiência pessoal. A partir de certa altura, faz mesmo gala de não esconder a repulsa em relação ao actual estado do regime. Com os superiores, arranja problemas exactamente por essa razão. A despeito disso, é promovido ao posto de capitão em 1970 e no ano seguinte embarca para a Guiné, com a missão de comandar a Companhia de Cavalaria 3420. A desilusão em relação ao regime acentua-se e a revolta em relação à guerra atinge um ponto limite. Ainda na Guiné, começa a participar nas reuniões embrionárias daquele que viria a ser conhecido como o MFA – Movimento das Forças Armadas. Em Julho de 1973, conhece Otelo Saraiva de Carvalho. Em plena messe dos oficiais, lê a «Seara Nova» e até os livros de Karl Marx. Regressa ao continente em Outubro de 1973, com as sementes da revolta a fervilhar no seu ânimo. As reuniões tendentes a organizar um golpe de estado são cada vez mais frequentes. «Portugal e o Futuro», de António de Spínola, é publicado em Fevereiro de 1972 e vai concorrer de forma marcante para o fim do regime. «Este livro surge, além do mais, como um imperativo moral de quem não pode conter-se.» – refere o autor na introdução da obra. A 16 de Março, dá-se a primeira tentativa de golpe. Golpe preparado «em cima dos joelhos», com fraca adesão militar, sem grandes possibilidades de êxito. Salgueiro Maia é um dos que se mostra contra a iniciativa e, por isso mesmo, se recusa a participar. A coluna do Regimento de Infantaria n.º 5 sai das Caldas da Rainha em direcção a Lisboa, mas não chega à capital, pois os seus principais responsáveis são presos ainda antes da partida. Mas, agora mais do que nunca, a revolução é uma questão de tempo. O MFA marca novas tentativa para daí a um mês, entre 20 e 29 de Abril, e Otelo assume a liderança do plano de operações. A 17 de Abril, entrega a Salgueiro Maia o comando da missão operacional e dá-lhe a entender que há generais envolvidos no golpe, quando tudo não passava, afinal, de um movimento de capitães. No dia 22, todas as unidades entram estado de alerta. A hora H fica desde logo marcada para as três da madrugada do dia 25 de Abril. Pelas 22 horas e trinta minutos do dia anterior, João Paulo Dinis, aos microfones da rádio, anunciara a música «E Depois do Adeus», de Paulo de Carvalho. Era a primeira senha, o início das movimentações militares. À meia noite e meia, Leite de Vasconcelos lê no programa «Limite», da Rádio Renascença, a primeira quadra de «Grândola, Vila Morena», de Zeca Afonso. «Grândola, Vila Morena / Terra da fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti / Ó cidade». É a senha definitiva e o aviso para a saída dos quartéis. É então que, em plena Escola Prática de Cavalaria, Salgueiro Maia entra em acção. Assume as capacidades de liderança que já manifestava desde criança e dirige-se aos seus subordinados. «Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os sociais, os corporativos e o Estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o Estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser, fica aqui.» Um discurso forte, vibrante, motivador, que poderia ter sido resumido a uma única frase. A tal que Salgueiro Maia também disse. «Há alturas em que é preciso desobedecer!»

I Tertúlia do Aventar – Salgueiro Maia e a Memória da Revolução

 

Tertúlia do Aventar – «Salgueiro Maia e a Memória da Revolução». Hoje, 5 de Dezembro, 18 horas. Com Carlos Abreu Amorim e João Teixeira Lopes. Clube Literário do Porto (à Ribeira).

 

I Tertúlia do Aventar: Salgueiro Maia e a Memória da Revolução

 

Tertúlia do Aventar – «Salgueiro Maia e a Memória da Revolução». Sábado, 5 de DEzembro, 18 horas. Com Carlos Abreu Amorim e João Teixeira Lopes. Clube Literário do Porto (à Ribeira).

 

I Tertúlia do Aventar: Salgueiro Maia e a Memória da Revolução

 

«Salgueiro Maia e a Memória da Revolução», com Carlos Abreu Amorim e João Teixeira Lopes. Sábado, dia 5 de Dezembro, às 18 horas, no Clube Literário do Porto (à Ribeira).

I Tertúlia do Aventar

 

«Salgueiro Maia e a Memória da Revolução», com Carlos Abreu Amorim e João Teixeira Lopes. Sábado, dia 5 de Dezembro, às 18 horas, no Clube Literário do Porto (à Ribeira).

Petição para salvar a casa onde nasceu Salgueiro Maia

 

Como sabem os nossos leitores, o Aventar está a promover uma Petição para salvar a casa onde nasceu Fernando Salgueiro Maia em Castelo de Vide.

Infelizmente, quando já contávamos com centenas de assinaturas, fomos atacados por «hackers» coreanos e os vírus acabaram por destruir grande parte dos nossos ficheiros, entre os quais aquele que continha as assinaturas.

Neste momento, resolvemos a situação e alojámos a petição num «site» próprio de petições, mas as assinaturas que tínhamos perderam-se.

Assim, pedimos que todos aqueles que assinaram voltem a fazê-lo. Não por nós, mas pela memória de Salgueiro Maia, que deve ser preservada. Para assinar, agora com toda a segurança, basta carregar na imagem da barra lateral.

As nossas desculpas por uma situação que nos penalizou muitíssimo.