O império contra-ataca

Não podemos dizer que fomos apanhados de surpresa. Podemos dizer que estivemos distraídos, e isso é legítimo. Mas os sinais estavam todos lá, há muitos anos, e Paulo Núncio fez questão de nos avivar a memória, dias antes da eleição de 10 de Março, quando afirmou, sem rodeios, que:

Em 2015, o governo do PSD e do CDS foi dos primeiros governos do mundo a tomar medidas no sentido de dificultar o acesso ao aborto.

Nuno Melo chamou-lhe “uma afirmação de grande respeito democrático”, mas aquilo as palavras de Núncio puseram a nu foi um ataque deliberado à democracia.

A lei do aborto, aprovada na sequência do referendo de 2007, em que o “sim” venceu com 59,25%, foi subvertida pelo preconceito ideológico do governo liderado por Pedro Passos Coelho. E não era apenas o direito ao aborto, sufragado da forma mais directa possível pelos cidadãos, que estava sob ataque. Era o Estado de Direito e o princípio da separação de poderes. Não compete ao governo, titular do poder executivo, minar o normal funcionamento do poder legislativo, cuja sede é Parlamento. [Read more…]

Mulheres: um voto em André Ventura é um voto contra os vossos direitos

Dia Internacional da Mulher.

O dia perfeito para recordar que o partido de André Ventura tem militantes que defendem a remoção dos ovários das mulheres que recorrem à IVG.

Entre outras ideias que visam reduzir a mulher ao papel que teve durante o Estado Novo: uma subalterna do marido ou do pai, submissa, na cozinha, sem carreira profissional, de pernas abertas sempre que o homem quiser.

Sem levantar ondas.

Calada e obediente.

Ou, regressando ao léxico fascista do Estado Novo, “recatada e do lar”.

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Aborto legislativo

As autoridades do Estado do Arizona reactivaram legislação de 1894 que obriga vítimas de violação ou incesto, incluindo crianças, a ter filhos que resultem desses abusos. Esta moral cristã da extrema-direita está cada vez mais parecida com islâmica.

Fetos abortados usados na produção de energia (e outros sinais de talibanização e demência avançada na América de Trump)

Do que vou lendo por aí, sinto que muita gente não tem noção daquilo que hoje se passa nos EUA. Que acredita que os EUA são o cosmopolitismo de NY ou a vibe hollywoodesca das grandes cidades da costa oeste.

Não é.

Os EUA são hoje uma democracia em profundo declínio, em larga medida fruto da brutal radicalização do Partido Republicano, que sempre teve os seus flirts com extremismos e extremistas.

Podia aqui escrever linhas e mais linhas sobre inúmeros temas, da multiplicação dos tiroteios, sem paralelo à escala mundial, à recente revogação de Roe vs Wade, passando pelo racismo estrutural ou pelo fundamentalismo religioso, que não distingue alguns movimentos americanos da praxis Taliban, mas vou antes pegar num dos grupos que melhor ilustra este estado de alucinação colectiva que parece marcar o início do fim da hegemonia dos EUA: os movimentos “pró-vida”.

Catherine Glenn Foster, uma activista da extrema-direita norte-americana que preside à Americans United for Life, uma dessas organizações radicais travestidas de “pró-vida”, prestou declarações no congresso norte-americano, em Maio deste ano, no âmbito do processo que terminou com a revogação de Roe vs Wade. Sob juramento, Glenn Foster garantiu que as empresas de energia de Washington DC usam fetos abortados para produzir energia:

“Bodies [are] thrown in medical waste bins, and in places like Washington DC, burned to power the lights of the cities’ homes and streets”

E acrescentou:

“Let that image sink in with you for a moment. The next time you turn on the light, think of the incinerators, think of what we’re doing to ourselves so callously and numbly.”

Este discurso absolutamente absurdo, demente e digno do mais radical dos imãs wahhabitas já não é um discurso de franja. É mainstream. É o legado de Trump. E será gravado na campa do Ocidente: aqui jaz a civilização mais avançada de sempre, que decidiu sucumbir à estupidez, à conspiração mais idiota e ao mais arcaico fundamentalismo religioso.

RIP, uncle Sam.

Wokismo é folclore. Poder é outra coisa

Somos constantemente bombardeados com histórias mirabolantes sobre o lobby woke, que, alegadamente, tomou conta dos EUA. Sobre o poder de uma esquerda que praticamente não existe, com a excepção de uma meia-dúzia de representantes eleitos em círculos mais progressistas, como Ocasio-Cortez ou Bernie Sanders, que por cá, quanto muito, integrariam as fileiras do PS ou, no limite, a ala social-democrata do BE.

Acontece que, nas questões que realmente importam, nas decisões que realmente pesam e definem o futuro dos americanos, vemos quem verdadeiramente manda naquele país.

Vemo-lo no enorme fosso que separa ricos e pobres, num país que ainda é a maior economia mundial e permite que pessoas trabalhadoras vivam em tendas, porque não ganham o suficiente para pagar uma casa. Em nome da liberdade, dizem eles.

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Abortos republicanos

Sarah Huckabee Sanders, outrora porta-voz de Donald Trump, hoje candidata a governadora do Arkansas, quer que as crianças estejam tão seguras no ventre da mãe como nas salas de aula. E diz isto sem se rir.

30 anos de prisão por um aborto espontâneo

Entretanto, em El Salvador, terra governada por aquele deus neoliberacho das bitcoins, que dá pelo nome de Nayib Bukele, uma mulher foi condenada a 30 anos de prisão por um aborto espontâneo. Mas hey, pelo menos os mercados são livres.

Movimentos pró-vida

Não andamos muito longe disto.

Liberdade iliberal

Nos EUA, a liberdade é um conceito que apenas encontra a plenitude na selvajaria económico-especulativa. Ou nas áreas controladas por lobbies poderosos, como a venda e porte de arma, que, como sabemos, nada tem a ver com o abundância de tiroteios mas ruas, escolas ou eventos públicos.

Liberdade, na perspectiva do neoliberalismo ultraconservador norte-americano, é mais ou menos isto: és livre para criar empresas, para pagar poucos impostos e para andares na rua armado em cowboy com perturbações mentais. É uma nação de tal forma livre, que pode livremente invadir outras nações, destruí-las irremediavelmente, com múltiplas violações do direito internacional e crimes de guerra, e de seguida tomar conta dos seus recursos, perante uma calorosa standing ovation dos mesmos que agora rasgam as vestes pela Ucrânia, e que muito provavelmente me acusarão de putinismo por esta referência, que espírito pulha-pidesco vive dias de glória. Podem ir directos para o caralho que os foda, sem passar na casa partida e sem receber dois mil escudos.

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Cavaco a cavacar até ao fim

Passo à frente do veto da adopção de crianças por casais do mesmo sexo. O principal culpado aqui é José Sócrates, que começou por vetar a aprovação de um projecto de lei do Bloco de Esquerda para, na Legislatura seguinte, aparecer como o grande defensor das minorias. Aprovando um casamento manco que discriminava as pessoas do mesmo sexo em relação às outras. O ainda presidente da República limitou-se a aplicar à nação a sua visão anquilosada e míope da sociedade, própria de um enquadramento ideológico que ganhou raízes (e nunca de lá saiu) desde os tempos em que andou a fazer fervorosas declarações de amor à PIDE.
Sobre o aborto, nem sei o que diga. Todos os actos médicos no SNS estão sujeitos a uma taxa moderadora, é verdade, inexplicável como o aborto tem de ser privilegiado em relação aos outros actos médicos, mas não passa de uma questão menor sem qualquer relevância. Sobre o mais importante, Cavaco acha que uma mulher que quer abortar devia ir primeiro a uma consulta psiquiátrica. Pois. Voltando ao princípio, nem sei o que diga. Há pessoas que com a máxima urgência deviam recorrer a uma consulta psiquiátrica, mas não seriam essas mulheres certamente.
Cavaco faz questão de terminar o seu mandato da mesma forma que sempre o conduziu. Um ser tão pequenino, tão pequenino…
Sorte tem Marcelo – pior do que o seu antecessor é impossível. Humanamente impossível.

A segunda morte da jovem bailarina

bailarinaLaura Ferreira dos Santos

Naquela altura, quase dois anos após o 25 de Abril, eu tinha dezassete anos e frequentava o único liceu “feminino” da cidade, que só então começava a receber rapazes, e apenas nas turmas do primeiro ano.
No liceu, ao nível das “ciências” — eu pertencia às “letras” —, destacava-se no meu ano a Carla, filha de família muito conservadora e rica. A Carla era também conhecida por ter uma irmã um ano mais nova, a Diana, de temperamento oposto. A Carla vestia de modo clássico, pouco ria, mal convivia com as colegas; a Diana era extremamente jovial, inclinada para as artes, a frequentar ballet e com resultados académicos muito inferiores aos da irmã.
Um dia, reconheci a Diana numa mota conduzida pelo namorado. Fiquei admirada: tendo uma mãe e um pai muito conservadores, não sabia o que pensar do que via. Mas gostei do ambiente de liberdade e alegria que parecia ir transportado naquela mota. [Read more…]

Carta muito franca e aberta às militantes anti-aborto

Cervatos erotico

Sexo é bom. Fazê-lo bem feitinho ainda é o melhor que levamos desta vida.

Compreendo que cada um é em boa parte a vida sexual que teve, ou no vosso caso não tem. Já não percebo como a ejaculação precoce, a frigidez, ou muito simplesmente a coisa mal feita pode levar alguém a militar numa causa de invejosas, sendo a inveja um pecado.

Sabeis, ó isildas, que o prazer obtido numa relação sexual não reprodutiva, vulgo queca, depende sobretudo dos vossos parceiros?

Homem que é homem tem cinco órgãos sexuais activos, por esta ordem: o cérebro, que trata dos outros, as mãos, que excitando nos excitam, a língua que opera milagres, a pele toda, excluindo talvez os calcanhares, e aquele que não sabeis denominar, seja ele pénis ou pila ou pixota, a tal parte que ejacula e reproduz a espécie. Falta um? falta: a alma, a paixão, o amor, ajudam, mas não são indispensáveis. [Read more…]

Catolicismo

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Uma ideia da Daniela Major, a propósito de uma campanha de meninos da católica, que tive um enorme prazer em concretizar.

Terrorismo religioso

El Salvador nega aborto a mulher doente cujo bebé morrerá após o parto. Mudem para El Assassino, sff.

Negócios no regresso do franquismo

Clínicas IVG perto das fronteiras: perante o regresso à barbárie, é também uma forma de dizer obrigado.

E se os filhos de Mota Soares lhe fossem retirados para adopção?

À partida, declaro que votei a favor da IVG. Tratou-se de decisão, aliás, em que tive em grande conta a opinião dominante e sustentada de mulheres da minha família, de outras de relações de amizade pessoal ou de carácter profissional. Na maioria, jovens.    

Recusei, pois, encarar o aborto como tema da velha clivagem ‘esquerda-direita’. Entendi-o como questão fundamentalmente feminina, subordinada à visão, condições e princípios com que cada mulher se orienta nas grandes opções da vida.

Conceder às mulheres o direito de opção do aborto é, entendo também, uma questão de cidadania. Impor-lhes, de forma institucional e autoritária, a obrigação de abortar ou parir é acto de violência contra a liberdade individual feminina.

Tenho a convicção de que este governo, estruturado e vocacionado para a tecnocracia dos números, seja destituído de qualquer sensibilidade humana. Consequentemente, minimizar o número de nados-vivos e incrementar a morte de idosos – os dados da PORDATA, a qualquer instante, comprovam estar Portugal nesse caminho – são factores de facilitação das metas do dos ideais financeiros do OGE: um Estado Social mínimo ou, se possível, dizimado.

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Aborto

Abriu a primeira clínica de aborto para interrupção voluntária da gravidez na Irlanda do Norte.

Apesar de o aborto continuar a ser ilegal na Irlanda do Norte, a inauguração do Centro Marie Stopes (ontem) levantou uma onda de protestos por parte de conservadores católicos e protestantes irlandeses. A manifestação junto ao Centro Marie Stopes contou com pelo menos 200 pessoas.

«Kill me before birth- it’s abortion» e «Kill me now-it’s murder» – lê-se num cartaz.

A minha posição? Sou pela vida. E se fosse eu o embrião ou o feto?

Aborto mental

No Estado do Arizona, EUA, as mulheres ficam grávidas duas semanas antes de todas as outras mulheres do planeta Terra.

Siga.

Os que não chegaram a nascer

Este é o nome do terceiro capítulo do romance Quem Ama não Dorme de Robert Schneider (1961), escrito em 1992.

Uma obra inesquecível. Trata-se da história de um músico genial do século XIX, nascido numa aldeia miserável algures na Áustria, onde a mesquinhez e outros defeitos de mentalidade (ignorância, inveja, indiferença) “não permitiram reconhecer o seu enorme talento”.

Deixo um excerto que me parece traduzir algo muito real ainda no século XXI e em Portugal:

(…) que magníficos seres, filósofos, pensadores, poetas, escultores e músicos terá o mundo perdido, apenas por não lhes ter sido proporcionado ensejo para aprender o seu genuíno ofício? (…) Chorámos então por estes desconhecidos, estes homens nascidos, que, em vida, não chegaram, porém, a nascer. Johannes Elias Adler foi um deles.”

Eu sei… O título deste post pode ser lido com outro sentido… claro.

Choramos também por esses desconhecidos seres que não se deixou, sequer, nascer. Onde poderiam chegar?

E são cada vez mais…

Corpo e espírito

Ontem, o professor americano Peter Colosi esteve na Universidade Católica (Lisboa) para uma palestra onde terá dito, por estas ou outras palavras, que:

O nosso corpo e o nosso espírito são um só.

João Paulo II dizia que nós somos o nosso corpo, não porque era materialista, que não era, mas porque a alma está tão intimamente ligada ao corpo, tão presente.

Hoje separamos as coisas. As pessoas pensam que os seus corpos estão separados de si mesmos, que podem fazer todo o género de actos sexuais, ou que podem fazer um aborto, e que isso não os vai afectar. Levar as pessoas a compreender esta união profunda entre o espírito e o corpo é o primeiro passo que é difícil de explicar, porque vivemos numa sociedade dualista.

Para quem acha isto uma grande idiotice ou disparate, ou que seja incrédulo nestes assuntos «transcendentais», sugiro que pense, como exercício, em qualquer forma de arte. Imagine uma bailarina, pense na música, na representação perfeita de um ator, etc.

Peter tem o seu blog para quem estiver interessado em conhecer o seu trabalho.

passos coelho e o diácono remédios

 

Felizmente a lei sobre a IVG é pacífica na sociedade portuguesa, integrando tranquilamente o nosso património social e cultural. Até alguns sectores do catolicismo mais radical acabaram por aceitar a IVG como aceitaram os métodos anticoncepcionais. Mantêm o discurso, resguardam a aparência da ortodoxia, ficam-se por aí. Levantar o assunto da IVG da forma como o fez hoje Passos Coelho aos microfones da Rádio Renascença, é uma manifestação primária de oportunismo político sublinhando o completo desnorte em que o PSD se encontra mergulhado. Para “caçar” meia dúzia de votos! É, provavelmente, o maior erro político de toda esta campanha. Lá diria o diácono Remédios: “num habia nexexidade!”.

(publicado em mais um packard em rodagem)

o crime social do aborto

é preciso distinguir entre aborto ritua e aborto economicista

1. Conceito.

É conhecido como impedir a vida de uma criança antes de esta ter nascido. Isso é designado como a interrupção voluntária da gravidez É ainda um delito punido com pena de prisão. É normalmente, uma decisão tomada por uma mulher por não ter um pai para essa criança em gestação, ou porque já tem muitas e tem dificuldade em cuidar delas e educá-las. Seja como for, a população infantil tem vindo a diminuir entre pessoas que não usam precauções para não engravidarem e darem vida a outra vida. Um facto que acontece em Portugal, na Espanha, na Itália, em etnias que vivem para além Europa. A diferença é que, na Europa e nas suas antigas colónias, o aborto é considerado uma perda de um ser humano punida por lei. Muito diferente é o caso dos Ba-Thonga de Moçambique estudados por Henry Junod em 1898 e por José Fialho Feliciano em 1998. O nascimento de gémeos coloca um problema: um deles deve casar, por obrigação cultural ou legal, com um descendente do clã de parentes. Apenas um. Se há dois pretendentes, um deles é morto, ou à nascença ou abortado mal se perceba que há dois no ventre da mãe.

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O elogio de José Sócrates

José Sócrates tem uma visão modernizadora para o país. A sua aposta nas energias renováveis e na sociedade da informação, via choque tecnológico, demonstram à evidência que o rumo escolhido pelo primeiro-ministro é o de alguém com uma ideia clara do que quer para o país que ama.
Com as energias renováveis, ficaremos menos dependentes das energias fósseis e de um futuro assustador para a Humanidade.
Com portugueses escolarizados do ponto de vista informático, temos as ferramentas indispensáveis para uma sociedade mais capaz e mais apta a enfrentar os desafios de um mundo em constante mutação.
E depois há as questões ditas fracturantes, que me fazem aplaudir José Sócrates pela coragem das medidas tomadas. A questão do divórcio veio corrigir uma flagrante injustiça que se verificava há muitos anos e que, como sempre, só prejudicava a parte mais fraca.
O aborto até às 10 semanas acabou com uma das situações mais vergonhosas do Portugal democrático – mesmo sendo contra o «aborto fútil» das classes média-alta e alta, entendo que nenhuma mulher pode ser criminalizada por exercer um direito.
E depois há o casamento «gay». Duas pessoas do mesmo sexo têm todo o direito de se amarem e de constituirem família. Com papel passado e com todos os direitos dos casais ditos normais. Normais por quê?
Numa sociedade mais aberta ao futuro e menos espartilhada pelos medos, complexos e preconceitos que nos foram inculcados pela Igreja Católica, estou em crer que o primeiro-ministro daria o passo seguinte: possibilidade da adopção de crianças por parte dos casais «gay», legalização da eutanásia, legalização das drogas leves, rescisão unilateral da Concordata com a Igreja Católica.
Aí sim, Portugal estaria ao nível dos países mais avançados do mundo e José Sócrates poderia finalmente dizer que os portugueses conseguiam acompanhar o seu ritmo progressista. [Read more…]