Era Lisboa e ríamos

New Portuguese Letters to the World
Imagem: Google books

A notícia da morte de Isabel Barreno e a evocação mediática do escândalo armado no regime anterior, que ficou conhecido como o caso das Três Marias, levou-me a olhar para trás uns largos anos. 

O livro, assinado por Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta, foi acusado de pornografia pelos censores oficiais quando, muito simplesmente, se tratava de dar relevo, artístico e literário, às cartas da freira Mariana Alcoforado que, num convento de Beja, se enamorou dum oficial francês, amigo e companheiro de armas de seu irmão. Como de costume, a coisa meteu interrogatórios policiais, tribunais e uma razoável tribuna de acusações por parte de todos os correios da manhã de que o governo fazia gato-sapato. O assunto, porque a lentidão está no ADN da justiça portuguesa, só viria a ser concluído por uma absolvição depois de 1974. [Read more…]

Carta de Marcelo Rebelo de Sousa a Marcelo Caetano, um ano antes da revolução

Excelentíssimo Senhor Presidente (do Conselho),

Excelência,

Pedindo desculpa do tempo que tomo a Vossa Excelência, vinha solicitar alguns minutos de audiência (…). Seria possível, Senhor Presidente, conceder-me os escassos minutos que solicito? (…) Acompanhei de perto (como Vossa Excelência calcula), as vicissitudes relacionadas com o Congresso de Aveiro, e pude, de facto, tomar conhecimento de características de estrutura, funcionamento e ligações, que marcam nitidamente um controle (inesperado antes da efectuação) pelo PCP. Aliás, ao que parece, a actividade iniciada em Aveiro tem-se prolongado com deslocações no país e para fora dele, e com reuniões com meios mais jovens. [Read more…]

A beatificação de Marcelo Caetano, por Marcelo Rebelo de Sousa

MRS MC

Se Cavaco Silva era um cidadão perfeitamente “integrado” no Estado Novo – e se dúvidas restassem, a contradição entre rejeição da atribuição de uma pensão a Salgueiro Maia e a atribuição de uma pensão por serviços “excepcionais e relevantes” a dois ex-inspectores da PIDE/DGS fala por si – um fascista praticante portanto, Marcelo Rebelo de Sousa não lhe fica muito atrás e será, no sentido facho da coisa, o candidato ideal para suceder a Cavaco.

Regressemos a Fevereiro de 2009. No colóquio “Tempos de transição”, dedicado à vida íntima de Marcelo Caetano, da qual Rebelo de Sousa fez parte, tendo o seu pai, Baltazar Rebelo de Sousa, amigo de Caetano e destacado fascista, desempenhado inúmeras funções na estrutura dirigente da ditadura, da Mocidade Portuguesa ao Parlamento-fantoche do Estado Novo, passando pelos ministérios da Educação, das Colónias, Saúde e Assistência, Corporações e Previdência Social, o agora candidato à presidência da República não poupou nos elogios a uma das figuras maiores do regime opressor que impôs ao país um reino de ignorância, manipulação e terror durante quatro décadas. [Read more…]

Como era Portugal antes da Democracia?

Ando há anos a tentar utilizar excelente série da RTP Portugal, um Retrato Social, de António Barreto e Joana Pontes, nas minhas aulas de História.

Sendo objectivo do trabalho sociológico comparar o Portugal dos anos 60 com o do séc. XXI, recolheram excelentes testemunhos de como era a nossa vida antes de Abril de 1974, servindo tanto de fonte primária como de secundária. Um computador mais rapidinho permitiu-me agora editar esses extractos, numa remontagem um pouco longa e não muito bem organizada, mas sempre melhor que utilizar os dvd’s originais. Espero mais tarde completá-la com pequenos vídeos específicos (por exemplo sobre a emigração).

Aqui fica à disposição dos interessados, que podem igualmente efectuar o seu download directo.

«Manda quem pode,

obedece quem deve.»

A escola de Durão Barroso

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O companheiro Barroso veio fazer campanha ao seu Liceu, dirigindo-se ao pessoal do “no meu tempo é que avia inducação, a minha carta classe vale mais ca escola toda hoje“, compreende-se, estando na reforma tendem a não votar A(N)P, veio o Barroso my friend assegurar que ali aprendeu com rigor e excelência.

Foi um bocado indigno, não se humilha assim a própria escola.  Aquela que João Pinto e Castro também conheceu, e lembrava assim:

Em meados dos anos 60 (creio que precisamente em 1965), três quartos dos alunos da minha turma do Liceu Camões, secção do Areeiro, faltaram à exibição de ginástica programada para o dia 10 de Junho, Dia da Raça, no Estádio Nacional. 

No último dia de aulas, fomos todos chamados à presença do Reitor e sumariamente expulsos do liceu. Nas condições política da época, isto poderia até certo ponto ser considerado normal, dado que, no quadro da Mocidade Portuguesa, a nossa ausência equivalia a uma espécie de deserção. Mas agora vem a parte mais curiosa: apesar de, por razões de saúde, eu ter sido nesse ano dispensado da ginástica, fui expulso como os outros sem apelo nem agravo. 

Um Liceu à maneira do que tínhamos em Coimbra, para as nossas elites e onde, no meu caso, e pelas palavras do Carlos Fiolhais: [Read more…]

E as pessoas?

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N’O Insrugente pergunta-se “O país empobreceu com Salazar?“, prontamente se respondendo que não. Não sei que idade terá o autor da prosa mas eu, que apenas vivi 6 anos em ditadura, recordo-me bem que as pessoas eram pobres. E que era uma festa quando a tia da França trazia caramelos. E de fazer sandes de pão com açúcar amarelo e azeite, que isto da marmelada e do doce de tomate não duravam sempre. [Read more…]

Ainda o inglês

Se há coisa que eu detesto é quando um político, nomeadamente estes de última geração, nos tentam fazer de burros! E Nuno Crato está nesse registo. O de um telelé de nova geração, daqueles que em três tempos é trocado por um outro qualquer .

Vejamos:

– com a Escola a tempo inteiro introduzida por José Sócrates o inglês passou a ser obrigatório nas actividades extra-curriculares. Isto é, no 1ºciclo (1-4º ano) os alunos passariam a ter um espaço para a introdução à língua inglesa nas “aulas” depois das “aulas normais”, naquele espaço que ia entre as 15h30 e as 17h30. É verdade que era facultativo, mas a maioria dos alunos passou, realmente, a ter inglês;

– Nuno Crato, no seu projeto de construção de uma Escola Nova , talvez inspirado no Estado novo, resolve retirar ao Inglês esse carácter obrigatório e, ao mesmo tempo, atira para as escolas a possível oferta dessa língua. Possível, porque, na verdade boa parte dos Agrupamentos não terá condições para o fazer e… [Read more…]

De regresso ao Estado Novo?

Prepotências, métodos tortuosos e embustes deste governo não se afastam dos padrões de dirigismo e das acções políticas características do Estado Novo. O mais grave e inquietante da citada postura é notório na comunicação, em certas deliberações e eventos de iniciativa da coligação governativa. O fenómeno intensifica-se a um ritmo progressivo. Sinto-me a viver o período do maior desassossego antidemocrático do regime pós-25 de Abril, PREC incluído.

Gaspar justifica a quebra do PIB com a chuva. Quem nos governa ousa desrespeitar as deliberações do Tribunal Constitucional e a lei em vigor ao tempo do acórdão, pagando fora do prazo subsídios de férias da função pública. Começou por invocar uma falsa insuficiência de meios.

Vencidos no campo das relações laborais e do direito à greve dos professores, a despeito de contrariarem o Colégio Arbitral que reprovou a hipótese de requisição civil, recorrem ao Júri Nacional de Exames para requisitar administrativamente a presença de todos os professores nas escolas, na próxima 2.ª feira, dia 17, a fim de fazerem a vigilância dos exames.

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Dúvida do dia

A reforma do estado é para fazer um estado novo?

Há muito, muito tempo, as pessoas não se podiam agrupar nas ruas

Parece que estamos a regredir, mas é só impressão minha. Tenho a certeza de que estas pessoas estavam a provocar distúrbios. . Para quem não conhece, Myriam Zaluar é activista do movimento Precários Inflexíveis. Mais uma coincidência? Náááá!!!!

Eu se me chamasse Rui Ramos pintava a cara de preto

Como cidadão pode ser o que quiser e entender, mas como historiador tem de seguir uma linha metodológica científica, mesmo na arte da divulgação. A menos que entenda que a História não é uma Ciência que procura a objectividade, mas uma pura ficção subjectiva que pode ser – utilizando as suas palavras – de “direita” ou de “esquerda”.

Reis Torgal sobre Rui Ramos, a ler o artigo completo, suave e absolutamente demolidor.

Um grande texto do grande escritor Mário de Carvalho

Mário de Carvalho, o escritor português vivo que mais habita as minhas estantes, publicou no Facebook um texto sobre a memória e sua ausência. Ali mesmo alguns comentam que isto não era nada assim. A sério. Rui Ramos tem seguidores.

Denegação por Anáfora Merencória

“Eu nunca fui obrigado a fazer a saudação fascista aos «meus superiores». Eu nunca andei fardado com um uniforme verde e amarelo de S de Salazar à cintura. Eu nunca marchei, em ordem unida, aos sábados, com outros miúdos, no meio de cânticos e brados militares. Eu nunca vi os colegas mais velhos serem levados para a «mílícia», para fazerem manejo de arma com a Mauser. Eu nunca fui arregimentado, dias e dias, para gigantescos festivais de ginástica no Estádio do Jamor. Eu nunca assisti ao histerismo generalizado em torno do «Senhor Presidente do Conselho», nem ao servilismo sabujo para com o «venerando Chefe do Estado». Eu nunca fui sujeito ao culto do «Chefe», «chefe de turma», «chefe de quina», «chefe dos contínuos», «chefe da esquadra», «chefe do Estado». Eu nunca fui obrigado a ouvir discursos sobre «Deus, Pátria e Família». Eu nunca ouvi gritar: «quem manda? Salazar, Salazar, Salazar». [Read more…]

A geração rasca e o 25 de Abril

Da geração rasca, como de todas as gerações, na evolução do tempo, sobejam os resquícios. Tal geração foi-se diluindo socialmente e volatizando-se através de comportamentos de cidadania múltiplos e distintos.  Passados os  anos de ‘charros’, gritos e euforias nos concertos de Abrunhosa, parte substantiva desmobilizou, carregada de desencantos e frustrações ou motivada por projectos de vida individual.

No entanto, na espuma do tempo, permanecem sempre redutos remanescentes cristalizados à volta de diferentes polos ideológicos. Subsiste, por exemplo, uma parcela, imberbe ou mesmo sem existência à data de 25 de Abril de 1974, do tempo que verdadeiramente não teve consciência de viver, que assimilou e propagou no futuro as ideias conservadoras de progenitores e educadores, normalmente adeptos do Estado Novo. Uns viviam em África, sob a protecção de jovens da minha geração, idos daqui – “África é aqui”, era a palavra de ordem da soberba que exibiam nas visitas à metrópole, nesse tempo.

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25 poemas de Abril (V)

 
O Viandante
 
Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu,miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite,foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.
 

Carlos de Oliveira

Saudosismo?

Paulo, eu vou pedir desculpa, mas não entendo esta tua sedução pelos exames do antigamente. Será que dá para explicar?

O irónico título “Coisas muito traumáticas da velha primária” quer conduzir a reflexão para onde? Mostrar que apesar das “coisas muito traumáticas da velha primária” estás aqui de boa saúde?

Se for só uma estratégia de markting para ter mais cliques, ok. Eu entendo e nós também os temos! Se é mesmo só por interesse histórico,então nada a dizer.

Mas neste momento tal interesse tem até um efeito contrário ao que tens mostrado. Associar a novidade do exame no 4º ano ao teu singular apelo acaba por legitimar as dúvidas – que eu partilho por inteiro – do interesse dos exames, dizendo que “são o mesmo de antigamente.” São um instrumento claramente político que foi usado no tempo do estado novo e que acabou com a Democracia.

Posso apelar ao teu perfil de docente? De professor, mesmo.

O que vais fazer com os meninos – tu às vezes referes que trabalhas com alunos “mais complicados” – que nunca irão conseguir fazer o exame? Reprovar? Há mais perguntas, mas esta penso que poderá ajudar a perceber o que vai na mente de quem defende os exames num momento tão precoce da escolaridade.

O mundo ao contrário

é o que me sugere o único neurónio que tenho ligado. O outro já foi dormir!

Depois de ler na primeira página do Expresso que ” Separação entre bons e maus alunos melhora resultados.”

Já agora duas perguntas que o meu solitário neurónio me solicita apresentar:

– Quem decide o que são bons e maus alunos?

– E que resultados melhoram?

– Melhoram os resultados de quem?

(Olha. Menti! Caro leitor, prometi que eram duas, mas afinal são três as questões que ele me envia. É um abusador.)

E o Tico (o Teco é o que está a dormir) pergunta se os Senhores Professores que colocaram o Sr. Nuno Crato no poder ainda se sentem felizes por nos terem atirado da frigideira para  o lume?

Depois do exame na 4ª classe, esta maravilha!

Quando é que chegam os crucifixos para colocar por cima do quadro? A fotografia do Ditador? E, quem sabe a palmatória!

Viva o 24 de Abril de 1974!

Este era o momento em que escrevia um insulto à moda do porto, mas vou ser mais educado e vou usar um insulto da linha de Cascais:

Seus estúpidos!

Artur Carlos de Barros Basto e uma justa petição

Li em tempos a história deste homem, penso que numa investigação publicada no Expresso, e é arrepiante. Demonstra como o anti-semitismo germanófilo e ultra-católico também fez parte do Estado Novo, e mostra como a arma da homofobia sempre foi usada pelas ditaduras.

Mesmo que Barros Basto não tivesse sido um republicano, mesmo que não nos tivesse legado uma notável tentativa  de tirar os marranos da clandestinidade ainda inquisitorial, ou seja, da construção da identidade de Portugal enquanto História, Cultura e Sociedade como realmente foi e não como os eternos revisionistas a inventam, assinaria na mesma esta petição internacional para a reabilitação do seu bom nome.

E isto de eu assinar uma petição sabendo que o mesmo fazem muitos sionistas não é todos os dias. Como o que separa os humanos dos rebanhos também é a capacidade de não usar palas nos olhos, não me arrependo.

Kanimambo, João!

Kanimambo significa ‘obrigado’ em Changane, um dos idiomas de Moçambique. Como título da canção que o popularizou, é a palavra de agradecimento eterno ao João Maria Tudela pela relação cordial que mantivemos, a despeito dos encontros espaçados e casuais dos últimos tempos. Repito o meu kanimambo, João:

A última vez que nos encontrámos foi numa estação do Metropolitano, em Lisboa. Como sempre, foste afável. Tínhamos ideias diferentes, mas respeitámo-nos sempre. Com a tolerância de quem tem a elevação de aceitar quem não pensa igual. E ao contrário da injusta e falseada opinião, de ignorantes e perversas cabeças, a diabólica censura do ‘Estado Novo’ também não te poupou; quando, em 1968, te afastou da RTP por ousares cantar ‘Cama 4, Sala 5’, de Ary dos Santos e Nuno Nazareth Fernandes. Voltaste em 1975.

Como imaginas, ao saber hoje da tua partida, por aqui e aqui, fiquei desolado. Lembrei-me dos nossos encontros no CIF, onde a tua paixão pelo ‘Ténis’ permanecerá para sempre. Como a minha admiração por ti. Kanimambo e até sempre, João.

O regresso do rótulo ‘comunista’

Tenho assistido nos últimos tempos à utilização, por gente limitada e mal-intencionada, do rótulo ‘comunista’ para classificar quem discorde das ideias de que perfilham. É o estafado truque, a que, durante anos a fio, estive, ou melhor, estivemos submetidos no regime salazarista. 

Conveniente é esclarecer que o Estado Novo utilizava esse instrumento de forma consistente e, temos de reconhecer, inteligente. Ao agregar os opositores ao regime sob uma unicidade classificativa, comunista, atingia os objectivos de eficiência e eficácia pretendidos nos mecanismos de repressão aplicados.

Agora, como diria um meu amigo brasileiro, os “aprendizes de sapateiro” nem tão pouco são capazes de colocar um prego na sola. São fala-baratos desestruturados, auto-convencidos, sem tomar consciência de que a própria ignorância os expõe ao ridículo.

Tenho familiares e amigos comunistas, cujos ideais, embora discordando, respeito. Sucede até que, de determinada empresa industrial histórica, hoje transformada em armazém, fui afastado por um grupo de comunistas líderes da Comissão de Trabalhadores. O sucedido, por me recusar a filiar no PC, não provocou o meu desalinhamento pelos valores de justiça social e de esquerda, a que jamais renegarei. É na luta por valores socialmente justos, de que os socialistas e social-democratas portugueses são falsos defensores, que me empenharei até ao final da vida.

Portanto, nada me demove de pensamentos e doutrinas de sustentação dos meus ideais, sem ser comunista. E o meu posicionamento político não concede a terceiros o direito a críticas e epítetos gratuitos. Podem discordar e é tudo. Como, de resto, o faço em relação a comunistas com quem me relaciono, sempre em clima de diálogo e de mútua tolerância.

Os funcionários públicos foram sempre prejudicados

Desde os tempos do Estado Novo, que a Função Pública é prejudicada.

Veja-se esta “Licença Anual para Uso de Acendedores e Isqueiro”, que diz:

Se o deliquente for funcionário do Estado, civil ou militar, ou dos corpos administrativos, a multa será elevada ao dobro e o facto comunicado à entidade que sobre ele tiver competência disciplinar

Chega de estigmatização! Venham mais greves!

Adenda: nas greves, entre os números dos sindicatos e os do Governo há sempre diferenças abissais. Querem melhor prova de que a matemática é um dos pontos fracos do nosso ensino?

A propósito de “Mudar – a Justiça”

Por natural interesse, segui a leitura feita pelo Luís Moreira aqui e aqui no Aventar, do livro “Mudar” de Pedro Passos Coelho quanto à Justiça.

Não li o livro, pelo que sobre o mesmo não me posso pronunciar directamente. Mas li o que em sede de Justiça, Pedro Passos Coelho conversou, defendeu, segundo o que o Fernando Moreira de Sá aqui relatou.

Falarei, pois, do que Luís Moreira escreveu acerca da Justiça segundo o  teor  do livro. E tentarei ser sucinto, pois nem quero tornar-me repetitivo em relação a futuros textos que viso publicar em breve.

A qualificação técnicas dos magistrados, principalmente dos magistrados judiciais, não penso que cause empeno à Justiça. Estou certo, até, que hoje estão muito melhor preparados para iniciar a carreira do que estará um advogado – por culpa do modelo perpetuado na Ordem dos Advogados que a actual Direcção está atentar adequar às exigências de hoje.

O que faltará, sim, é a perspectiva humana da consolidação e do amadurecimento a quem se entrega o poder de, efectivamente, julgar os outros. A culpa não é dos magistrados, é do actual modelo permitir que alguém com vinte e poucos anos seja juiz. Lamento, mas não acredito que tenha a maturidade suficiente para tal, com o devido respeito por eventuais honrosas excepções. Ainda para mais, face ao progressivo enraizamento da lógica sindical dentro de ambas as magistraturas.

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Presente e futuro da Advocacia: uma questão de República (2)

 Tal como anunciei aqui, inicio uma série de textos dedicados ao tema “Presente e futuro da Advocacia”, abarcando as matérias da Justiça que lhe estão conexas.

Mas antes de mais, cumpre desde já esclarecer – e daí a razão deste texto -, quais os motivos e as finalidades.

Esta iniciativa não se enquadra em nenhuma preocupação corporativa e muito menos sindical. Esse tipo de preocupação e de lógica corporativas e sindicais, em sede de Justiça, já fizeram estragos que cheguem para também a Advocacia seguir tal caminho.

Decidi iniciar esta série porque a matéria não se esgota na esfera dos interesses de uma classe profissional. E porque do presente e do futuro da Advocacia, bem como das questões da Justiça com que se interligam, depende grande parte do rumo e da defesa da cidadania, do regular funcionamento das instituições da República, da paz social e da garantia pelo respeito da dignidade humana.

O Advogado representa os interesses dos cidadãos através do patrocino forense, sem o qual não adianta ter Juízes e Procuradores, pois que só há verdadeira administração da Justiça quando em tribunal, estão presentes quem representa a Sociedade (Procurador), quem diz e aplica o Direito (Juíz) e quem defende o cidadão (Advogado). Pelo menos num Estado de Direito Democrático, consagrado no artº 2º da nossa Constituição.

É de recordar que mesmo durante o Estado Novo, na barbárie que foram tantos julgamentos nos tribunais plenários, em que réus (naquele tempo não havia arguidos) chegaram a ser espancados por esbirros da PIDE em plena audiência perante os olhos complacentes e cúmplices de Juízes que jamais responderam por tais actos, foram os Advogados quem sempre estiveram ao lado do cidadão contra a brutalidade e o despotismo.

Como também estiveram, lutando tenazmente em 1926 e nos anos seguintes, aquando da politização do processo movido contra Alves Reis (o famoso falsário português), em que se chegou ao cúmulo de se aprovar leis criminais com efeito retroactivo que prejudicavam a defesa dos então réus, e de arrastar para a lama gente impoluta e honrada como Arthur Cupertino de Miranda, entre outros. Também aqui os Advogados lutaram sem temores contra um Estado e uma Justiça manipulada por interesses de grandes instituições bancárias (cuja temática irei, também, abordar, ainda que de modo muito sucinto e em sede própria).

Tal como outrora, aos Advogados cumpre garantirem a defesa dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, o respeito pela dignidade humana, seja face ao Estado seja nas relações sociais, firmando a diferença entre a barbárie e a civilização, entre a vingança e a Justiça.

O Advogado é  e deverá ser sempre, um garante civilizacional, e como tal deverá ser encarado. E, também, como tal deverá comportar-se.

O presente e o futuro da Advocacia diz, pois, respeito a todos os cidadãos, porque o Advogado é o seu procurador. Pelo que interessa ao cidadão saber, estar esclarecido, qual o estado e o rumo de quem está e deverá continuar a estar a seu lado.

No próximo texto falarei do problema da massificação crescente da profissão, das suas razões, dos seus perigos para a classe e para a sociedade, com especiais cuidados na administração da Justiça, e de possíveis rumos e soluções.

Sei que a matéria é polémica. As caixas de comentários estão disponíveis.

Memória descritiva: a comédia do ditador

No dia 3 de Agosto de 1968, no Forte de Santo António, no Estoril, onde habitualmente passava as suas férias de Verão, António de Oliveira Salazar teria caído de uma cadeira de lona. Segundo a versão que depois circulou, o chefe do Governo quando se preparava para tratar os pés com o calista Hilário, sentou-se pesadamente numa cadeira de lona no terraço do Forte. A cadeira não terá aguentado o peso e Salazar bateu violentamente com a cabeça nas lajes. Conta Franco Nogueira que queixando-se de dores no corpo, o ditador não autorizou a chamada de um médico, como queria a sua governanta, a D. Maria de Jesus. [Read more…]

Memória descritiva: Aquarela do Brasil – a mentira getulista

Memória descritiva, foi o título que dei a um poema incluído no meu livro «O Cárcere e o Prado Luminoso» (1990). Publiquei-o aqui, semanas atrás. Como se sabe, esta é a designação dada aos estudos preliminares de arquitectura, onde se define basicamente a tipologia do projecto, materiais a utilizar, tipo de acabamentos, etc.. O sentido aqui é diferente, mas também muito literal – a memória, a minha e a dos autores que leio, vai passando para pequenos textos – «memórias descritivas». Hoje, escolhi como tema a «Aquarela do Brasil», a canção de Ary Barroso. Já verão porquê. Primeiro, ouçamos a bela interpretação de Gal Costa.

No ano que acaba de terminar passam 70 anos sobre a composição por Ary Barroso de «Aquarela do Brasil». O hino nacional brasileiro foi criado por Francisco Manuel da Silva (1795 – 1865). Pois, para muitos «Aquarela do Brasil» é o como que um outro hino do país. Numa sondagem organizada pela Academia Brasileira de Letras, a «Aquarela» ficou em primeiro lugar. [Read more…]