O fim de um ciclo. O início de outro.

Fotografia: João L. Maio

Catarina Martins deu muito à esquerda portuguesa, fez crescer o Bloco de Esquerda (BE) como este nunca tinha crescido antes. Merece, portanto, todos os elogios dos democratas e dos militantes e eleitores do BE.

Perseverante, estóica e delicada, Catarina Martins deu um novo rumo ao BE e um novo rumo à esquerda. Colocou o BE no lugar onde este deve estar: perto das decisões que influenciam a vida das pessoas. Obrigou o Partido Socialista a pôr-se de joelhos, duas vezes. É verdade que, em certas alturas, se aproximou (ou quis aproximar) demasiadamente do poder, mas também é verdade que foi essa aproximação que amedrontou o PS e o obrigou a apostar as fichas todas na maioria absoluta, que hoje é mais empecilho do que virtude para os social-liberais do Largo do Rato. E é, também, graças ao trabalho de Catarina Martins enquanto coordenadora do BE que o PS, quando fala para dentro, tenta ser uma espécie de BE 2.0; enquanto que, quando governa, se mostra como uma espécie de PSD+IL.

Segue-se, presumivelmente, Mariana Mortágua na liderança do partido. Está preparada, ou não estivesse a ser preparada para o lugar há vários anos. Traz consigo a bagagem acumulada da experiência enquanto figura de proa de Comissões de Inquérito e carrega consigo a empatia de muitos dos que se revêem na esquerda à esquerda do PS como uma solução credível para o futuro do país.

Na imagem, Catarina Martins olha em frente, encara o futuro do Bloco onde estará Mariana Mortágua, que na imagem olha para trás, encarando os milhares que a acompanham e torcem por ela. A Catarina Martins, o meu mais profundo obrigado. A Mariana Mortágua, toda a força.

Somos muitos, muitos mil, para continuar Abril.

Escavacar um monte negro de costa a costa para construir a casa do coelho

O sacro-santo Cavaco Silva falou. Mais uma vez. Sempre que Cavaco fala, especialmente depois de findado o seu tempo enquanto figura activa e parte integrante da política portuguesa, tem um condão: o condão de unir a esquerda.

Cavaco Silva falou e disse. Deixando de parte a baixeza de certas partes do seu discurso, apontou a este governo os traços da incompetência, da desfaçatez, dos números de circo. Não está errado, isso é certo. Teria toda a razão de ser, se tais críticas não fossem feitas por… Cavaco.

Cavaco Silva, o mesmo que agora aponta tantos epítetos negativos ao governo, é o mesmo Cavaco Silva que, no seu segundo mandato enquanto primeiro-ministro (PM), acumulava “casos e casinhos” semana sim, semana não. O mesmo Cavaco que agora enumera os truques deste governo e descreve a bandalheira em que se encontra o Estado de Direito Democrático da República, era o mesmo que, nos seus dias enquanto chefe de governo, via passar-lhe por debaixo do nariz os Dias Loureiro, os Duarte Lima, os Oliveira e Costa, à boleia dos BPNs da vida. Este Cavaco é o mesmo que, enquanto Presidente da República, usava e abusava da comunicação institucional da Presidência para se defender e desmentir acusações de que era alvo. É certo que vivemos hoje na época dos cliques, das vinte e quatro horas ininterruptas de serviço informativo; nos anos 90, tínhamos de esperar pelo fim‑de‑semana, todas as semanas, para sabermos qual era o novo caso em que estava mergulhado o governo de Cavaco. Agora, aparentemente, é o Cavaco dos ataques e das acusações tendo como alvo o Partido Socialista. A memória afecta toda a gente, é um facto, mas não devia afectar Cavaco Silva que, para todos os efeitos, apresenta lucidez quando fala, dentro de casa, da casa dos outros. [Read more…]

Uma consulta (muito) atrasada no CUF Porto

Fui pela primeira vez na vida a um hospital da rede CUF. Foi-me recomendada uma profissional para o meu filho, que pelos vistos só exerce lá, de maneira que fui e não bufei. No questions asked.

E o que sucede?

Sucede que a consulta era às 11h, mas só entramos às 11:50h.

Respirei de alívio. Afinal, não é um problema exclusivo do SNS. Agora imaginem que tínhamos governantes competentes para o gerir e financiamento adequado.

Seria uma chatice para o sector privado.

Syriza a ver-se grego: as eleições na Grécia

Kyriakos Mitsotakis, dos conservadores do Nova Democracia, é re-eleito. Fotografia: Milos Bacanski/Getty Images

O Partido da Nova Democracia voltou a vencer as eleições na Grécia. Sem maioria, o que obrigará a uma segunda volta e, posteriormente, a uma ginástica parlamentar, mas volta a eleger um governo, depois dos anos em que o partido social-democrata, o Syriza de Aléxis Tsípras, galvanizou o eleitorado farto da crise e dos acordos com os FMIs da vida.

A surpresa é, lá está, o próprio Syriza, que atinge apenas os 20%. Mas, a meu ver, o Syriza não perde votos para a direita conservadora (por muito que, há uns tempos, a estratégica aliança com os conservadores populistas dos Gregos Independentes tenha sido um erro de palmatória – que levou, aliás, a que vários dos seus mais activos militantes saíssem do partido de Tsípras). Perde votos para os outros partidos de centro-esquerda e de esquerda, que crescem. Assistimos ao ressurgimento dos social-liberais do PASOK, que julgávamos já mortos e enterrados, e à subida dos comunistas do KKE. [Read more…]

Dar colo ao bebé

Ainda alguém me há-de explicar, com racionalidade e argumentos sólidos, por que razão é que o líder da extrema-direita tem direito a tanta exposição mediática nos órgãos de comunicação social deste país.

Afinal, não precisam de me explicar, a resposta é simples: dá audiências. Tanto os que gostam da besta como os que a detestam, são encantados com notícias e entrevistas visando o Chega e seu “querido líder” e nem todos podem ser como eu, que quando vê a cara do homem ou ouve a sua voz, corre para o comando da TV para mudar imediatamente de canal. É um sentimento tão visceral que sou incapaz de manter o “gajo de Alfama” no meu raio de visão ou de lhe dar a oportunidade, nem que seja por um segundo, de me rasgar os tímpanos com a sua voz.

Resumindo, porque já abordei este tema e explanei a minha opinião, o Chega não é um fenómeno político. O Chega é um fenómeno televisivo e, por conseguinte, é um fenómeno de audiências. E não, nem todos são pequeno-burgueses como eu e, como tal, a maioria do país ainda passa muitas horas em frente à televisão, o que faz com que este encantador de antas chegue a casa de muita gente. Portanto, o Chega cresce porque lhe dão palco de forma desmesurada face à sua real importância. Nasceu na televisão, mora na televisão e há-de continuar a ser alimentado pela televisão. É a consequência da mercantilização do jornalismo.

E não é aqui dito que um partido com representação parlamentar (e a sua fundação e existência é outra estória) não deva ter audiências. Mas numa altura em que anda tudo a falar do “crescimento do populismo” e do “combate contra a extrema-direita”, convinha, se calhar, por começar a não ser um veículo para as mensagens da extrema-direita que tanto dizemos querer combater. O aldrabão-mor conseguiu ter apenas cerca de 40 minutos a menos de exposição do que, imagine-se, o primeiro-ministro. Acima do presidente da República. E, pasme-se, o PCP é o único partido que nem sequer aparece no top 10. Se calhar, neste ponto, aqueles que tentam equiparar o Chega ao PCP (e até ao Bloco, que consegue um 8.o lugar), deviam começar por tentar dar mais audiências a BE e a PCP… pelo menos para tentarmos aferir se essa equivalência é, como é, estúpida.

Continuem, portanto, a alimentar o monstro. E ele continuará a crescer.

Os portugueses estão a tomar banho acima das suas possibilidades

Detesto ser portador de más notícias, mas devo informar-vos que estamos a tomar banho acima das nossas possibilidades.

Significa isto que está na hora de começarmos a tomar banho dia sim, dia não, até porque o mercado livre precisa de água para os abacates. E sem abacates, como sabeis, a democracia está comprometida e este país não tem futuro.

Portanto, deixai-vos de pieguices e aprendei a viver com o aroma do sovaco do vosso semelhante. Ou então emigrai, mas emigrai para Ocidente, que para Leste o fedor só piora.

Anti-bolha

Combater o consumo de tabaco? Eu, como fumador que padece do mal que é o vício, até concordo. Sei que é para o meu bem, apesar de tudo. Mas eu não preciso de entidades “superiores” pouco recomendáveis, como o é este Estado sem estado, que me digam o que é bom ou mau para mim; para isso, basta-me o bom-senso e, a partir daí, faço as minhas escolhas conscientemente, sabendo que A me faz mal e B me faz bem, escolhendo, ou não, o consumo de A ou B.

No entanto, convinha serem coerentes. Isto de haver lojas de gomas, retalhistas do ‘fast-food’ ou casas de apostas perto de escolas, faculdades e outros que tais, também tem muito que se lhe diga. Se calhar, proibia-se também o consumo de álcool junto a faculdades (ó, caraças!) e o consumo de cocaína junto das administrações das grandes empresas (lá se ia a meritocracia!).

Aliás, esta “moda” de super-proteger os cidadãos, usando as proibições como arma, cheira um bocado a mofo de outros tempos, onde usando a premissa de que “isto é mau para ti” (fosse qual fosse o consumo), o Estado proibia isto e aquilo como bem lhe aprazia. Vai-se a ver e qualquer dia só vamos poder usar fósforos produzidos em Portugal.

Não somos todos o Gino. Não queremos viver em bolhas.

Rita Lee (1947-2023)

Até sempre, Rita Lee.
Da vida à eternidade.

 

Lavar mais Blanco

Este gajo não se cansa de passar vergonhas.

Os impostos não servem para financiar esses serviços. Antes servissem! Servem, fundamentalmente, para abater na dívida pública. Se os impostos servissem para financiar os serviços públicos, os mesmos não estariam na situação dramática em que se encontram.

Portugal é um dos apenas três países da Zona Euro que promete cumprir a regra da dívida até 2026” já diz tudo sobre para onde vai o dinheiro que os portugueses pagam em impostos.

Já agora, convém esclarecer o porquê da classe média pagar tantos impostos: a economia nacional foi quase toda privatizada desde a década de 80 até hoje. Ora, com a privatização da grande maioria das empresas-chave de sectores estratégicos, a única opção para encher os cofres ao Estado é sobrecarregando a população, neste caso a classe média, com impostos. Impostos esses que que quem controla os sectores estratégicos da economia, por norma, não paga (levando esse dinheiro para offshores, paraísos fiscais e fundos de investimento de origem duvidosa).

Liberais, parem de tentar iludir e enganar as pessoas. Infelizmente, o deputado Bernardo Blanco bloqueou-me nas várias plataformas e não lhe posso ensinar estas coisas directamente.

Amigos, a solução não é mais liberalismo, é exactamente o contrário, pois foi a liberalização da economia que nos trouxe a este Estado lastimável. A solução da Iniciativa Liberal, que quando fala em baixos salários nunca propõe subir os mesmos, mas sim diminuir a carga fiscal (aos que já têm salários acima da média), passa pela privatização destes serviços para os entregar a quem querem aliviar a carga fiscal, ou seja, aos donos disto tudo.

Chama-se a isto “lavar mais Blanco”. Mantenham-se alerta: um olho no facho, outro no liberal. Por fim, deixo-vos com gente séria:

Oito sanitas às direitas

Montenegro não declarou ao Tribunal Constitucional o valor de casa com seis pisos: tem 800 m2, um elevador e oito casas de banho

Tendo em conta que Luís Montenegro sempre foi adepto da política de casa-de-banho, não é de estranhar que tenha uma casa com oito sanitas.

Resta saber, uma vez que, ontem, os líderes do PPD e do IL reuniram, se as mesmas dispõem de bidé ou não; é que se houver bidés, a coligação com os liberais cairá por terra. Uma parvoíce, digo eu, porque todos precisamos de usar o bidé de vez em quando, para evitarmos o selo. Para já, está a correr bem: o presidente dos laranjas não declarou uma mansão, o que vai de encontro às boas práticas dos queques que guincham.

Um queque de laranja que guincha “António Costa, vai para o caralho”. (imagem retirada do site da SIC Notícias)

Imaturidade Política Liberal

Bernardo Blanco, deputado liberal e filho de Paulo Blanco, acompanhou dois rapazes que vivem da estupidez, um deles acusado de burla num esquema que envolve criptomoedas, numa visita à Assembleia da República que acabou com um outro a ler um discurso, redigido a quatro mãos, em que manda “para o caralho” o primeiro-ministro António Costa. 

Se quiserem conhecer mais um pouco do “Youtuber” Windoh, o protótipo do charlatão liberal, aqui ficam dois links:

Ministério Público investiga esquemas relacionados com youtubers”.

CMVM alerta que empresa do youtuber Windoh não está autorizada em Portugal”.

E se quiserem conhecer mais do “Youtuber” Tiago Paiva, o protótipo do campeão do teclado liberal no Twitter, ficam aqui links para dois vídeos:

Extremamente Desagradável: Tiago Paiva é genial”.

Os Primos: Tiago Paiva no Podroast”.

Quanto à Iniciativa Liberal, se não querem ser acusados de imaturidade política (ou mesmo de falta de integridade), convinha esconderem um bocado que são imaturos (e pouco íntegros) politicamente.

A IL refere que o objetivo de convidar estes youtubers “era mostrar o Parlamento e o seu funcionamento a mais pessoas da sociedade que não acompanham a atualidade política, mas são seguidores destes criadores de conteúdos”, uma vez que estes “fizeram dois longos vídeos em que mostram o funcionamento do Parlamento num registo mais informal, procurando aproximar os mais jovens da atividade política”.

Mas será que a IL sabe que metade dos que vêem os vídeos desses “youtubers” não tem, ainda, sequer idade para votar, que a outra metade são jovens adultos heterossexuais que ejaculam de cada vez que os Musks, os Petersons ou os Tates desta vida abrem a boca e que estes “youtubers” são um exemplo da falta de civilidade e inteligência que reinam nas redes sociais?

Claro que sabe e fica cada vez mais difícil para a IL esconder que podem ser tudo, mas liberais é que eles não são. Cada vez mais a frase “um olho no facho, outro no liberal” faz sentido.

Feliz Dia do Trabalhador (dia do colaborador para os neo-liberais)

Fotografia: Sérgio Valente

O 1.º de Maio de 1974 na Avenida dos Aliados, na cidade do Porto.

ÚLTIMA HORA

O deputado Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal, acaba de convocar uma conferência de imprensa para condenar as declarações do deputado Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal.

Era uma vez uma história com 25 anos

Fez ontem 25 anos que os anti-fascistas de Coimbra arrancaram pela raíz a tentativa do “neos – núcleo de estudos oliveira salazar” celebrar a data de nascimento do ditador, na Sé Velha, em Coimbra. No ano seguinte mudaram para a Igreja de Montes Claros, mas também aí foram confrontados por outra manifestação. A mesma réplica aconteceu em Lisboa, igualmente com protestos. Nunca mais voltaram a tentar tal provocação. O fascismo não se pode ignorar, tem que ser combatido de frente, em toda a parte, a toda a hora, por todos os métodos que se revelem necessários. Vale pela efeméride e, como não podia deixar de ser, lembrar o João José Cardoso, não só por ser dele a recolha dos noticiários acima mas porque ele próprio foi um dos envolvidos na mobilização.

49 do 25 no Porto

Milhares de pessoas reuniram-se hoje no Porto para celebrarem os 49 anos da Revolução de Abril.

Crianças, jovens e idosos em comunhão para nos lembrarem todos do mesmo: a Liberdade conquistada em 1974 é um dos marcos mais importantes da História de Portugal, marco esse que é preciso nunca esquecer, zelando pelos valores de Abril, especialmente nos dias de hoje em que o bafio fascista dos tempos antigos parece querer assolar o nosso bem mais valioso – a Democracia.

E essa, a nossa Democracia, continuará a ser o pior de todos os regimes, com excepção de todos os outros. Não a percamos, pois então. Celebremo-la.

25 de Abril sempre. Fascismo nunca mais.

 

Fotografias: João L. Maio

“Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente”

“Aí
Só há liberdade a sério
Quando houver
A paz, o pão, habitação, saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir…
………………………
Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente”
(Sérgio Godinho)


Os 49 anos da revolução são, infelizmente, de desencanto. Sentimo-nos despojados de um ideal que conquistámos, mas que ficou incompleto no trajecto – o tal PREC (Processo Revolucionário em Curso) que podia ter servido para o progresso social, se bem escoltado por gente decente – porque hordas – chusmas – de políticos, muitos deles nados e criados em linhas de montagem das juventudes – leia-se madraças – partidárias, estropiaram quase todos os sonhos de Abril, da longa Madrugada libertadora.

Perpetuar esta conquista vai a caminho de ser gerido por quem não faz a mínima ideia do que foi viver em Portugal antes de Abril. Que não tem a ínfima noção do que os seus pais e avós passaram em África, na Índia, em Timor. Porque os seus pais têm de esconder dos filhos o que sofreram, preferindo arrostar em silêncio a vergonha de se verem usados, maltratados, esquecidos os seus ossos no mato, as suas pernas na picada, os seus braços nas minas, os stresses de guerra, a incompreensão, a ingratidão. Por isso eu leio todos os dias, em páginas de antigos combatentes, essa revolta permanente, de quem se sente a mais, ainda que sempre tenha dado tudo por um valor a que chamavam pátria, e em nome desse valor esfacelaram-lhe as mentes em tropas especiais, ensinando-os a matar, a matar, a matar! Ou empurraram-nos, à tropa macaca, para o matope, para barracões de zinco e tijolo no mato, para bombardeamentos sem hipótese de defesa, para trilhos minados, para emboscadas de morte ou martírio, e sequelas para toda a vida. [Read more…]

Tanto mar

«Por causa das novelas percebemos perfeitamente o português do Brasil, mas o que temos mesmo pena é de não falarmos com o vosso sotaque”, disse António Costa.», “Público”, 24-04-2023

 

No dia em que Chico Buarque, um dos meus compositores favoritos, recebeu o Prémio Camões, soube que o primeiro-ministro do meu país, numa cerimónia oficial, confessou ao chefe de Estado do Brasil que nós, portugueses, temos pena de não falarmos com sotaque brasileiro. Pelo que ouço dizer, há brasileiros que defendem que o português correcto é aquele que é falado em Portugal, o que quer dizer que há muita gente a dizer disparates dos dois lados do mar. Pelo pouco que sei, o Brasil tem sotaques que nunca mais acabam, mas António Costa deve estar a pensar naquele que é usado nas telenovelas.

Entendamo-nos: eu e o meu país somos circunstâncias que acontecemos um ao outro, para sorte e azar de ambos. Não me acho nada de especial por eu ser eu e por eu ser português. Isto de ter uma nacionalidade é um casamento de conveniência que pode parecer de amor, mas é só um acaso, como é o caso do amor, a não ser para quem acredite no destino ou num deus que tenha tudo planeado, incluindo o momento em que havemos de tropeçar nos braços que queremos abraçar.

O Brasil, falado, cantado e escrito faz parte da minha vida. Tenho horas de músicas, dias de filmes, semanas de telenovelas, meses de livros, anos disto e daquilo. Nos últimos anos, tenho tido dezenas de alunos brasileiros, calorosos, engraçados, simpáticos, com direito a debates vivos sobre o ouro que roubámos ou não, com divertidos confrontos sobre pronúncia e escrita. Há muitos anos que não é possível ser-se português sem se ser brasileiro. E americano. E inglês. E francês. E italiano. E espanhol. [Read more…]

Papa da Silva

Excerto retirado de uma notícia da TVI.

Lula da Silva veio a Portugal e foi bombardeado com perguntas acerca da sua posição em relação à guerra na Ucrânia.

Uma posição que é mais difícil de explicar e defender (e também de entender), porque pressupõe uma real tentativa de alcançar a paz (que em qualquer guerra é sempre o mais difícil de alcançar), ao invés de, à boa maneira da avestruz, enfiar a cabeça na areia e papaguear simplesmente que “a Ucrânia tem direito a defender-se” (e é claro que tem e nunca ninguém disse o contrário), como se a postura belicosa e o prolongamento ad aeternum da guerra fossem, de forma mágica, resolver o problema. E gritar aos sete ventos que “a guerra só acabará quando a Ucrânia sair vencedora” é – para além de um grito cínico – pura romantização da guerra.

Enquanto isso, a guerra continua e estará para durar, a Ucrânia vai ficando cada vez mais depenada, as sanções à Rússia não estão a fazer surtir o efeito pretendido, a dívida externa da Ucrânia aumenta, os Estados Unidos e a Rússia esfregam as mãos e já se preparam novas formas de pôr os imperialismos todos a medir pilas (olá, China!). Enquanto isso, a guerra não acaba.

Por isso, senhores jornalistas e comentadeiros do chavascal, comecem já a preparar os microfones, pois vem aí o Papa que, ao que parece, tem uma posição semelhante à do presidente do Brasil, esse sacana pró-Putin que propõe que, em vez de se andar a apontar armas enquanto alguém lucra com a venda das mesmas, se sentem todos a uma mesa e haja uma saída limpa para as duas partes (e, depois disso, sim, poderemos começar a discutir de que forma a Federação Russa do abominável neo-fascista de cera poderá vir a pagar as reparações que são devidas à Ucrânia do fantoche de oligarcas sequestrado – desde a sua eleição – pelas forças neo-nazis que “protegem” o país).

Ps. Parece que o totó com óculos que é presidente da Câmara Municipal de Lisboa foi visitar o Papa… olhem, foi uma oportunidade perdida para lhe [ao Papa da Silva] fazerem as tais perguntas!

Marxismo liberal

Da exposição: os 50 anos do Partido Socialista.

O Partido Socialista (PS) foi marxista por um breve período da sua História.

O socialismo democrático ou, se quisermos simplificar, a social-democracia clássica morreu no PS no dia em que decidiram que, por puro tacticismo eleitoral, o melhor seria ceder à ideia de Bloco Central e se tornaram no extremo-centro que hoje representam (e ocupam).

Da social-democracia clássica ao social-liberalismo de hoje, impulsionado pela ideia de Terceira Via introduzida por Tony Blair (e que é um favor ao neo-liberalismo europeu – já o dizia Margaret Thatcher) foi um instante.

A Juventude Socialista ainda tenta, por breves momentos, ressuscitar o PS de esquerda da fundação, sobretudo como estratégia de captação de jovens para as suas fileiras, mas rapidamente se transformam em tecnocratas neo-liberais quando lhes cheira a poder (quem é que, no seu perfeito juízo, denominaria como “socialistas” políticos como António Costa, Sérgio Sousa Pinto, Fernando Medina, Francisco Assis ou António José Seguro?). É pena, perde a esquerda e perde o país, envolto neste engodo de socialistas que não o são.

Consequência de tudo isto, não é admirar que os programas políticos do Bloco de Esquerda ou do PCP – Partido Comunista Português sejam, hoje, de cariz essencialmente social-democrata, pois vieram, com o tempo, ocupar um espaço que estava desocupado com a viragem do PS à direita.

Censura má, censura boa

Decorre este mês, em Vila Nova de Gaia, a Bienal Internacional de Arte.

Entre os vários artistas que ali expõem o seu trabalho está o cartunista Onofre Varela. Até aqui, tudo normal.

Acontece que o mesmo, depois de várias pressões por parte dos curadores da exposição e das críticas que a Comunidade Israelita de Lisboa lhe endereçou, decidiu retirar um dos seus cartoons em exposição. E que cartoon é este? Trata-se de uma obra que retrata o ditador nazi, Adolf Hitler, de suástica no braço e estrela de Davi ao peito, com o seguinte texto a acompanhar: “ISRAEL TRATA OS PALESTINOS COM O MESMO DESRESPEITO COM QUE HITLER TRATAVA OS JUDEUS.” (cartoon em baixo)

Primeiro, urge perguntar: por que é que uma comunidade de Lisboa se insurge contra uma obra exposta em V.N. de Gaia?

Segundo: percebe-se que a obra possa chocar; mas não é essa, também, um dos objectivos da arte, especialmente da arte de intervenção política e social?

Em terceiro lugar, mas mais importante: as críticas são perceptíveis – a verdade costuma aleijar. Não creio que o artista Onofre Varela tenha tido por objectivo “desvalorizar o nazismo” mas, por contrário, deixar a nu a brutalidade do regime neo-fascista de Israel e, consequentemente, chamar a atenção para a limpeza étnica levada a cabo pelo extremismo sionista e para o apartheid imposto aos palestinianos.

À censura imposta pela Bienal a pedido da Comunidade Israelita de Lisboa, a Câmara Municipal de Gaia diz não se rever em práticas censórias, mas aplaude a retirada do cartoon [sic].

A cartada do Holocausto, tão usada para justificar as atrocidades que o Estado israelita pratica nos Territórios Palestinianos Ocupados, já não cola (a não ser nos indefectíveis sionistas e nos incautos que acreditam que ter sofrido com o nazismo justifica práticas nazis por parte de quem sofreu com o nazismo).

Em suma, censurar tal obra, por contraditório que possa ser, coloca os censores mais perto dos nazis. E isso é um desrespeito para com os milhões de judeus espalhados pelo mundo.

A obra de Onofre Varela foi mandada retirar da Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Gaia, a pedido da Comunidade Israelita de Lisboa – aqui fica, para provar que atitudes censórias têm, por norma, o efeito contrário ao pretendido.

Fugiu-lhe a língua para a verdade

Há quem tenha ficado surpreendido com o momento “ui que se me escapou uma pedofiliazita” do Dalai Lama. Eu não fiquei.

Quer dizer, fiquei surpreendido com o grau de obscenidade sem pingo de vergonha na cara. Alguém que pede a uma criança que lhe chupe a língua, com aquele à vontade, parece confortável com a perversão. E não parece estar a fazê-lo pela primeira vez.

Mas aquela surpresa-choque, sendo que falamos de um líder religioso, não senti. Se as instituições do Cristianismo e do Islão têm o historial que têm a abusar de crianças, com e sem pedofilia, porque é que haveria de ser diferente com o budismo tibetano?

Já para não falar nas companhias, e no facto da luta pela qual dá a cara ser frequentemente alvo de instrumentalização no âmbito da política externa de Estados pouco recomendáveis. E preparem-se: qualquer dia descobrimos que também andou pela ilha do Epstein.

O mérito dos CEO

Pedro Soares dos Santos, CEO da Jerónimo Martins. Fotografia retirada do Jornal Económico.

Noticia o jornal Expresso:

“(…) presidentes executivos já ganham 36 vezes mais do que os trabalhadores.” 

Só se pode concluir uma coisa: continuam as campanhas anti-patrões e, agora, até o jornal Expresso já faz parte da entente socialista-comunista-vuvuzela-Cuba-do-Alentejo.

Faltará pouco para que vejamos Pinto Balsemão de boina e colete numa qualquer Festa do Avante, se este ódio aos grandes patrões continuar.

Mas alguém, no seu perfeito juízo, nos vem dizer que os CEOs das grandes empresas não trabalham trinta e seis vezes mais do que os plebeus que estão sentados nas caixas do hiper-mercado ou dos que lá fazem reposições? Balelas! Vão-me dizer que é mais fácil estar sentado no escritório 4h/dia a ver papéis e a beber um whiskey com gelo e, no resto do dia, frequentar os rooftops enquanto se fazem business e se criam networks de gin na mão a ver o sunset?! Seus invejosos!

Notícias como esta são um ataque directo ao direito que estes desgraçados têm de viver com dignidade nos seus palacetes de milhões. A verdade é que toda a gente tem inveja do sucesso inquestionável destes nunca pobres, mas coitados homens de bem.

Ps. Noutra notícia, na mesma senda: Pedro Soares dos Santos, da Jerónimo Martins, ganha cento e oitenta e seis (186!!!) vezes mais do que os trabalhadores do grupo. Em dez anos a remuneração dos gestores das grandes empresas subiu 47%, enquanto os salários dos seus trabalhadores caiu 0,7%. Já dizia o “outro”: não há almoços grátis.

Isto foi a TVI a usar a polémica em torno de Maria Botelho Moniz para vender produtos de emagrecimento, não foi?

Eis a transição perfeita: Manuel Luís Goucha leva Maria Botelho Moniz ao seu programa, onde o prato principal foi, sem surpresas, o polémico e cavernícola artigo de Alexandre Pais, e mal termina a entrevista, a emissão muda imediatamente para um momento televendas onde o produto em destaque é o Emagreslim.

Não conhece?

Foi assim que MLG o introduziu:

A Primavera já aí está, o Verão também não tarda, já há pessoas na praia, portanto querem estar em forma. Mas, mais importante ainda, a sua auto-estima! Muitas vezes tem uns quilos a mais e não ser sente bem. Já sabe que a Viva Melhor tem a resposta eficaz: Emagreslim.

E daí se o timing for bom para vender uns produtos de emagrecimento?
Qual é o mal?

(badum tss)

 

Notícias Viriato: uma estória de seis mil euros – parte II

António Abreu, fundador do Notícias Viriato. Imagem retirada do YouTube.

Há cerca de dois meses, o Aventar, pela minha mão, publicou um artigo onde questionava o que tinha acontecido ao “jornal” on-line Notícias Viriato (NV) e onde paravam os mais de seis mil euros angariados pelo seu fundador e único trabalhador, António Abreu, para a suposta realização de um documentário sobre as alegadas vítimas das vacinas administradas durante a pandemia de COVID-19.

Ora, na altura, expusemos aqui o enunciado: que tinham sido angariados mais de seis mil euros para a realização de um suposto documentário e que, pouco tempo depois disso, o Notícias Viriato e o seu fundador António Abreu teriam “desaparecido em combate”. Como tal, enviámos algumas perguntas directamente para o e-mail do Notícias Viriato e para o e-mail de António Abreu. Perguntas essas que, durante uns tempos, ficaram sem resposta. Mas o Aventar insistiu, voltou a enviar as perguntas e, há umas semanas, o Notícias Viriato (que é o mesmo que dizer António Abreu) respondeu-nos às pergunta solicitadas, respostas essas que aqui passamos a reproduzir. Primeiro, relembramos as perguntas enviadas:

1 – O NV surgiu com bastante adesão por parte de alguma direita radical e cavalgou a onda da pandemia. Por que razão não publicam nada desde Fevereiro de 2022? 

2 – O NV perdeu relevância depois de contido o vírus e ficou sem material? 

3 – Em Outubro de 2021, o NV organizou uma angariação de fundos. Segundo o que foi publicado nas suas redes sociais, conseguiu uma quantia no valor de €6.476, com o objectivo de produzir uma reportagem intitulada “Vítimas do Medo”. Quando sairá essa reportagem, uma vez que não foi publicada, nem no site do NV nem nas suas redes sociais? 

4 – Por que razão a última publicação acerca do tema “Vítimas do Medo” foi, precisamente, a informação sobre os €6.476 angariados? 

5 – Está o NV disponível para apontar uma data para o lançamento do documentário “Vítimas do Medo”, para o qual angariou €6.476? 

A tudo isto, o NV respondeu-nos que: [Read more…]

O que é o “homem não-branco”?

um homem não-branco

Ou seja, existem os brancos e existem os outros, os não-brancos.

E quem são os outros?

Um morenaço algarvio conta como homem branco ou não-branco?

O Bounou, guarda-redes da selecção de Marrocos, conta como não-branco por ser marroquino ou o facto de ser mais clarinho que muitos europeus já faz dele homem branco?

O que é um homem não-branco?

Um saco onde se mete tudo o que não tenha o pantone caucasiano pré-aprovado pela nova Inquisição, para posterior exploração pelos profissionais da raça, que fazem disto e de outros temas similares o seu modelo de negócio?

Não sei o que seja. Mas parece-me que oprime mais do que liberta. E que a terminologia foi gizada por homens brancos.

Enfim…

Maria Botelho Moniz!

Uma grande resposta👏👏👏

IA – Ideologia Artificial

Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, diz não ter comparecido na manifestação de hoje porque esta era “de cariz ideológico”. No entanto, diz estar “de coração com aqueles que se manifestam nas ruas”. De coração… ou de fígado… ou de rins.

Dito isto, ainda bem que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa não marcou presença na manifestação marcada pelos donos de Alojamentos Locais há uns dias, onde também estiveram a Iniciativa Liberal e o Chega… ainda apanhava alguma doença ideológica ou assim, do género ficar meio neo-liberal. Toda a gente sabe que neste momento não é aconselhável ter uma mão invisível dentro de si.

Fotografia retirada de: https://www.lisboa.pt

AL – Atarantado de Lisboa

Fotografia retirada de: https://www.lisboa.pt

Depois do líder do Iniciativa Liberal, Rui Rocha, e do proto-fascista André Ventura, do Chega, Carlos Moedas também esteve presente na manifestação organizada pelos donos de Alojamentos Locais.

Para a semana, a não perder: Carlos Moedas marcará presença numa manifestação organizada pelos donos das grandes empresas de distribuição. Daqui a duas semanas, estará numa manifestação organizada pelos CEOs das tecnológicas e, daqui a três semanas, numa manifestação organizada pelos donos das gasolineiras. Tudo pelo direito destes a saquear (ainda mais) os plebeus.

Agora, resta saber se Carlos Moedas marcará presença na manifestação marcada pelo direito à habitação: dia 1 de Abril, às 15h, em Lisboa (na Alameda) e no Porto (na Batalha) – onde certamente estará o rei-sol da Foz, Rui Moreira.

Se o ridículo matasse… a direita já não existia.

Longa vida ao Aventar

O Aventar faz 14 anos.

14 anos a expor ao vento. A arejar. A segurar pelas ventas. A farejar, a pressentir e a suspeitar. A chegar.

14 anos a agitar a blogosfera e outras esferas mais.

14 anos de uma casa feita de pessoas diferentes, que pensam diferente, unidas em torno da santíssima liberdade de expressão.

Uma casa de muitas ideologias, onde a unanimidade fica à porta.

Uma casa onde regresso todos os dias, e onde espero regressar muitos mais.

Uma casa onde encontrei amigos, família, professores e inspiração.

Longa vida ao Aventar!

Desculpem, fascistas, mas não vai colar

É possível que aquilo a que hoje assistimos tenha sido premeditado. Não tenho dados para o afirmar, mas é um facto que sunitas e xiitas têm um historial de hostilidade que fala por si. Mas mesmo que estejamos perante um acto terrorista, é curioso que o mesmo não tenha como alvo as instituições da democracia secular, que representam os “infiéis”, mas uma comunidade religiosa que reza ao mesmo Alá que o monstro que hoje assassinou duas mulheres com a brutalidade de um selvagem.

Claro que, para aqueles que fazem do ódio aos migrantes o seu ganha pão, a tragédia caiu-lhes que nem ginjas. Para esses, tenho duas palavras: Alcindo Monteiro. [Read more…]